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A China foi muito clara com o Japão: ser aliada dos EUA, tudo bem, mas apoiar Taiwan, inadmissível

O Pacífico depende agora de uma frase, um míssil e a reação de três nações diferentes

Parada / Imagem: Пресс-служба Президента России, Cabinet Secretariat
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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A mais recente tensão diplomática entre China e Japão não parece ser fruto de um gesto isolado, mas sim de uma mudança profunda na percepção estratégica de Tóquio sobre o estreito de Taiwan e sobre o papel cada vez mais central do Japão na arquitetura de segurança regional. O problema agora é que a China forçou o Japão a tornar clara sua posição.

Um arquipélago entre dois fogos

A declaração da primeira-ministra Sanae Takaichi — ao sugerir que um bloqueio ou ataque chinês contra a ilha poderia configurar uma situação de ameaça existencial para o Japão — alterou imediatamente o frágil equilíbrio de ambiguidade estratégica que Tóquio mantinha há anos.

Seu comentário colocou pela primeira vez em termos oficiais algo que as equipes de segurança japonesas discutiam reservadamente havia décadas: que, em certas circunstâncias, o Japão poderia ser obrigado a agir ao lado dos EUA em um cenário de guerra envolvendo Taiwan — não necessariamente para defender a ilha em si, mas para preservar rotas marítimas, o fornecimento de energia e as bases norte-americanas que garantem a própria sobrevivência do Japão.

Esse detalhe, normalmente imperceptível para o grande público, foi o que desencadeou a reação de Pequim, que interpretou a declaração não como uma análise técnica, mas como uma insinuação de que o Japão poderia intervir militarmente em um assunto que a China considera estritamente interno.

A resposta de Pequim foi imediata e contundente, mobilizando um arsenal completo de instrumentos de pressão destinados a punir, intimidar e isolar Tóquio. A China emitiu alertas a estudantes e turistas para que evitassem o Japão, alegando supostos riscos de segurança, suspendeu encontros diplomáticos, adiou estreias de filmes, intensificou as patrulhas de sua Guarda Costeira em águas disputadas e elevou o tom da propaganda oficial, relembrando a guerra do passado para enfatizar sua atual superioridade militar.

A intenção era clara: enviar uma mensagem interna e externa de que qualquer questionamento à sua posição sobre Taiwan terá um custo imediato. No entanto, a virulência da reação gerou um efeito duplo. Por um lado, alimentou na sociedade japonesa a percepção crescente de que a China recorre sistematicamente ao castigo econômico e diplomático para moldar o comportamento de outros países. Por outro, fortaleceu dentro do governo japonês a convicção de que a pressão chinesa não vai diminuir — e que a única resposta viável é reforçar as alianças militares e a preparação para cenários reais de contingência.

Sanae Takachi Sanae Takachi

A divisão da opinião pública japonesa reflete essa tensão: aproximadamente metade da população acredita que o Japão deveria intervir em um cenário de invasão chinesa a Taiwan, enquanto a outra metade teme que qualquer envolvimento arraste o país para um conflito catastrófico.

Enquanto isso, a máquina estatal chinesa intensifica uma mensagem de advertência que, longe de intimidar, está provocando acusações crescentes de assédio diplomático por parte de Tóquio e pedidos para fortalecer ainda mais a capacidade de dissuasão.

Os Estados Unidos realizaram múltiplos testes do sistema Typhon, que inclui quatro lançadores montados sobre reboque e equipamentos de apoio capazes de disparar mísseis Tomahawk e SM-6. Os Estados Unidos realizaram múltiplos testes do sistema Typhon, que inclui quatro lançadores montados sobre reboque e equipamentos de apoio capazes de disparar mísseis Tomahawk e SM-6

EUA e o tabuleiro militar

Nesse contexto de escalada, a retirada repentina pelos EUA do sistema de mísseis Typhon, que havia sido implantado temporariamente na base de Iwakuni, acrescenta uma nova camada ao quebra-cabeça. Sua presença inicial — capaz de lançar mísseis Tomahawk e SM-6 com alcance suficiente para atingir alvos críticos no leste da China — havia despertado preocupação em Pequim e Moscou, que interpretaram o seu envio como o primeiro passo para uma futura rede de mísseis terrestres norte-americanos no Indo-Pacífico após o fim do tratado INF.

O objetivo oficial era realizar testes de transição rápida em caso de guerra, mas o sistema também representava uma demonstração explícita de que o Japão é uma peça-chave na estratégia de contenção dos EUA. Sua retirada, justamente no momento em que a China intensifica represálias contra Tóquio, não diminui a tensão: ela evidencia a flexibilidade com que Washington reposiciona suas peças — e sua intenção de manter Pequim em constante incerteza.

O Japão, por sua vez, encontra-se cada vez mais no centro de um dilema estratégico: depende do guarda-chuva de segurança norte-americano para garantir sua própria sobrevivência, mas o preço dessa dependência é que qualquer crise no estreito de Taiwan se torna, automaticamente, um assunto interno para os japoneses.

A ambiguidade estratégica

O episódio abalou o princípio que há décadas orienta as políticas de segurança no Leste Asiático: a ambiguidade estratégica. Os EUA evitam declarar explicitamente como reagiriam diante de um ataque chinês para não oferecer certezas nem a Pequim nem a Taipé, enquanto o Japão havia tentado alinhar sua postura sem chamar atenção. As palavras de Takaichi romperam essa ambiguidade — mesmo com a insistência posterior de que sua declaração não representava uma mudança doutrinária.

Ao fazê-lo, revelam a evolução de um país que deixou para trás a cautela absoluta do pós-guerra e que, diante da possibilidade real de um conflito de alta intensidade em sua vizinhança, começa a assumir que sua segurança já não pode ser separada de uma eventual guerra por Taiwan.

Para Pequim, essa transformação é perturbadora: um Japão mais assertivo, mais integrado ao aparato militar norte-americano e mais disposto a agir preventivamente altera a equação estratégica de toda a região. Para Tóquio, ao contrário, a crise atual ilustra exatamente por que tentar suavizar tensões com a China não reduz sua pressão — e por que manter capacidade de decisão e margem de manobra depende de reforçar tanto sua autonomia quanto sua cooperação militar.

O frágil equilíbrio

No conjunto, a sequência revela um momento de inflexão. A China quer dissuadir o Japão por meio de punição imediata, enquanto o Japão quer dissuadir a China demonstrando que não se deixará intimidar — e os EUA ajustam discretamente sua presença, lembrando que seu poder militar será decisivo em qualquer cenário. Taiwan, por sua vez, torna-se o eixo em torno do qual gira a estabilidade do nordeste da Ásia.

O resultado é um equilíbrio mais tenso, mais explícito e mais perigoso do que nos anos anteriores. Um equilíbrio no qual as palavras de uma primeira-ministra, a reação ampliada de uma potência vizinha e o movimento aparentemente técnico de um sistema de mísseis se entrelaçam para revelar uma verdade incômoda: a região avança para uma etapa em que um gesto mal interpretado tem o potencial de reconfigurar toda a arquitetura de segurança do Indo-Pacífico.

Imagem | Пресс-служба Президента России, Cabinet Secretariat

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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