Os reatores experimentais de fusão nuclear são máquinas extremamente complexas. Não apenas precisam ser capazes de recriar no interior da câmara de vácuo as condições necessárias para que ocorra a fusão espontânea dos núcleos de deutério e trítio, como também devem suportar as diferentes formas de radiação ionizante que são desencadeadas durante a reação de fusão.
Os físicos e engenheiros envolvidos no ajuste dessas máquinas aprenderam muito nas últimas décadas graças a reatores experimentais como JET (Inglaterra), JT-60 (Japão), Wendelstein 7-X (Alemanha) e TJ-II (Espanha), entre outros. No entanto, ainda há muito a aprender e refinar para que os primeiros reatores de fusão com vocação comercial estejam finalmente disponíveis.
O componente de um reator de fusão que está mais exposto (tanto ao calor quanto à radiação) é o revestimento interno da câmara de vácuo, conhecido como manto ou blanket. Suas camadas mais profundas, as menos expostas, geralmente são de cobre e aço inoxidável (é possível que esses materiais mudem nos futuros reatores), enquanto a camada mais superficial é de berílio e tungstênio, pois esses elementos químicos suportam melhor o estresse imposto pela radiação em comparação a outros metais.
O supercomputador Marconi nos trouxe uma ótima notícia
Para entender os rigores que o manto da câmara de vácuo precisa suportar, é importante revisar brevemente quais são as agressões que ocorrem durante a reação de fusão nuclear. A mais evidente é a temperatura, pois, para que os núcleos de deutério e trítio superem sua repulsão elétrica natural e se fundam, é necessário submetê-los a uma temperatura de pelo menos 150 milhões de graus Celsius. Apenas assim eles conseguem adquirir a energia cinética necessária para a fusão.
Isso não é tudo. O campo magnético gerado pelos ímãs supercondutores do reator é muito intenso, mas tem um limite. Isso significa que ele é capaz de conter apenas íons que não superam um determinado valor limite de energia — e, durante a fusão, algumas partículas produzidas podem adquirir uma energia superior àquela que o campo magnético é capaz de conter. Quando isso acontece, essas partículas escapam do confinamento e interagem com o manto da câmara de vácuo.
Como se tudo isso não fosse suficiente, temos os nêutrons de alta energia (cerca de 14 megaeletronvolts) que são produzidos como resultado da fusão dos núcleos de deutério e trítio. A carga elétrica global dessas partículas é neutra, portanto, o campo magnético não as pode confinar. Com isso, elas também acabam interagindo diretamente com o manto. Como vimos, os materiais do manto são selecionados para suportar essas agressões, mas os engenheiros dos reatores ainda não sabem com precisão qual é a durabilidade desse componente.
É aqui que entra o supercomputador italiano Marconi, que possui uma potência total de cálculo de cerca de 12,5 petaflops por segundo. Esta máquina está à disposição dos cientistas da EUROfusion, o que incentivou Evgeniia Ponomareva, uma pesquisadora da Universidade Aalto (Finlândia), a desenvolver uma simulação complexa projetada especificamente para prever a velocidade com que as agressões que descrevemos anteriormente podem degradar o manto dos reatores de energia de fusão.
Quando os íons e os nêutrons de alta energia colidem com o manto, eles penetram em seu interior e perdem energia ao colidir com os átomos do material. Como consequência dessas colisões, os átomos de tungstênio do manto podem se deslocar e, até mesmo, ser expelidos. Esse fenômeno de expulsão é conhecido como pulverização (sputtering), e, como se pode imaginar, resulta na degradação física do manto. A simulação criada por Evgeniia Ponomareva observou que ocorre cinco vezes menos pulverização do que a estimada inicialmente pelos cientistas, o que significa que os componentes do reator mais expostos, a rigor, não precisarão ser renovados com tanta frequência.
Não há dúvida de que essa é uma boa notícia. Esperamos que futuras simulações confirmem a longevidade dos materiais dos futuros reatores de fusão nuclear. Um último comentário: na imagem de capa deste texto, podemos ver a interação que ocorre entre um íon que não foi confinado pelo campo magnético e os átomos de tungstênio que formam o manto da câmara de vácuo.
Imagem | Evgeniia Ponomareva/Universidade Aalto
Mais informações | EUROfusion
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