Uma região do México se tornou um circo descontrolado: turistas chegam constantemente para nadar com orcas selvagens

Como uma moda viral pode prejudicar até as criaturas mais imponentes do oceano

Imagem | CICESE, Rennett Stowe
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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

O clamor que passou a ser comumente chamado de "turistificação" chegou aos lugares mais remotos do planeta. Não se trata mais apenas das praias paradisíacas; o "aventureiro" foi muito além, adentrando áreas como Afeganistão, Iraque ou Albânia. Aliás, até a Antártida já é alvo de hordas ávidas por novas experiências. O que certamente poucos imaginavam é que, para esses aventureiros, nadar com orcas se tornaria quase uma "obrigação".

Dançando com cetáceos

O jornal The Guardian noticiou isso em uma reportagem. Todas as manhãs em La Ventana, uma pacata cidade costeira na Baixa Califórnia do Sul, dezenas de turistas em trajes de mergulho embarcam em barcos guiados por pescadores locais ou por operadores turísticos de cidades próximas, como Cabo San Lucas ou La Paz. O objetivo: nadar com orcas selvagens.

Crise ecológica

O que começou como uma experiência única e inspiradora tornou-se, segundo muitos especialistas e operadores veteranos, uma atividade descontrolada que ameaça tanto a segurança das pessoas quanto o bem-estar dos animais. Na ausência de regulamentação formal, até 40 embarcações podem convergir para o mesmo grupo de orcas, especialmente entre maio e junho, os meses de maior atividade.

A popularidade do fenômeno explodiu desde 2019, impulsionada pelas redes, e expôs um vácuo legal na legislação mexicana: embora existam leis que protegem espécies marinhas ameaçadas, nenhuma proíbe explicitamente nadar com cetáceos dentados como... as orcas.

Riscos invisíveis

Embora nunca tenha sido registrado um ataque de orca selvagem a humanos, biólogos marinhos alertam que o contato excessivo e desordenado pode provocar reações defensivas. Além disso, e ainda mais preocupante: o efeito cumulativo do ruído dos motores e da presença humana constante sobre as orcas residentes, muitas das quais são fêmeas com filhotes que caçam raias, golfinhos ou tubarões usando sonar, uma habilidade que sofre interferência da atividade turística.

Como explicou ao Guardian o Capitão Juan Vásquez, com mais de duas décadas no mar, esses animais "se lembrarão de ter sido assediados" e podem parar de visitar a área. Apesar disso, a pressão econômica é alta: o turismo da vida marinha é uma fonte crucial de renda e poucos desejam limitá-la. Até mesmo embarcações sem seguro e sem licença participam dessas excursões, competindo com operadores mais bem estabelecidos que até garantem encontros com orcas para garantir reservas.

Original

Plano pioneiro

Na ausência de regulamentações claras, um grupo de cientistas e operadores responsáveis ​​(incluindo a bióloga marinha Georgina Saad e o documentarista Erick Higuera) propôs o primeiro plano de manejo de orcas no México, baseado não apenas em cotas numéricas, mas também no comportamento dos animais. O plano, que aguarda aprovação do governo neste verão (no hemisfério norte), limitaria a interação a três barcos por grupo de orcas, com um máximo de nove barcos por dia, e exigiria licenças oficiais.

Além disso, ele propõe que guias e capitães aprendam a identificar sinais de estresse em cetáceos para saber quando interromper as atividades. Cada orca pode ser reconhecida por sua barbatana dorsal única, o que facilitaria o acompanhamento de avistamentos e interações. Além disso, parte da receita das licenças financiaria patrulhas e treinamentos locais, estabelecendo um modelo sustentável que prioriza tanto a conservação quanto a educação.

Tensões locais

No entanto, a implementação do plano não está isenta de controvérsias. Muitos capitães e famílias locais sentem que não foram levados em consideração. Eles acusam que as licenças acabarão favorecendo grandes empresas em Cabo e La Paz, deslocando aqueles que vivem do turismo marítimo há gerações.

Eles também criticam o fato de o plano se concentrar exclusivamente em La Ventana, quando tanto orcas quanto turistas já estão se movimentando por toda a península. Para Saad, no entanto, concentrar a regulamentação em La Ventana é fundamental para estabelecer um precedente legal e operacional. "Podemos enviar a mensagem de que este é o único lugar onde se pode nadar com orcas, e é assim que deve ser feito. Todo o resto seria ilegal."

Linha tênue

Em resumo, e apesar das divergências, o relatório concluiu que uma grande maioria concorda que a solução não é proibir, mas educar. Evans Baudin, pioneiro nesse tipo de experimento e crítico do "circo" atual, insiste que o essencial é fazer as coisas direito: proteger as orcas e continuar oferecendo encontros respeitosos e seguros.

Por sua vez, La Ventana está em uma encruzilhada: ou se torna um modelo de turismo responsável ou um símbolo de como uma tendência viral pode prejudicar até mesmo os mais gigantes do oceano.

Imagem | CICESE, Rennett Stowe

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