Finalmente, a China fez o que a indústria global mais temia: bloqueou a exportação das terras raras mais valiosas. Dito assim, de forma direta, soa alarmante — embora muitos ainda se perguntem qual é, de fato, o alcance desse veto e quais cadeias de suprimentos serão afetadas a curto prazo com a decisão de Pequim.
São muitos os setores sob pressão, mas há um especialmente sensível para Washington: o de defesa. Se nada mudar, restam apenas alguns meses antes que os caças F-35 e os mísseis balísticos enfrentem um problema sério.
O calcanhar de Aquiles
Foi o que relatou o New York Times há poucas horas. A decisão da China de impor restrições à exportação de minerais críticos — especialmente de certos ímãs feitos com terras raras — representa um alerta direto à segurança nacional dos Estados Unidos, cujas capacidades militares dependem fortemente desses recursos.
Quais recursos, exatamente?
Estamos falando de caças de combate da Força Aérea, como os F-35, mísseis balísticos guiados do Exército e drones elétricos dos Fuzileiros Navais, nos quais esses ímãs — feitos com elementos como neodímio, disprósio ou ítrio — são essenciais para o funcionamento de motores, mecanismos de guiagem e sistemas de emergência.
Se, por exemplo, um míssil balístico não tiver esse tipo de componente, ele simplesmente não consegue atingir seu alvo.
O problema de fundo é que 90% desses componentes são produzidos na China, e seis dos metais-chave que os compõem só são refinados por lá, o que dá a Pequim uma poderosa ferramenta de pressão.
Essa manobra, considerada um “tiro de advertência” por um oficial da Força Aérea, pode facilmente escalar para cotas, tarifas ou até mesmo uma proibição total, gerando impacto imediato nos custos e na disponibilidade de tecnologias bélicas dos Estados Unidos.
Uma cadeia vulnerável
Já comentamos sobre isso outras vezes. As terras raras — um conjunto de 17 elementos — não são exatamente escassas no sentido literal, mas seu processamento é caro (e poluente), o que permitiu à China dominar tanto a extração quanto o refino e a fabricação associada.
Essa supremacia deu ao país o controle de boa parte do custo final do armamento moderno dos EUA, incluindo caças furtivos, submarinos, navios de guerra, tanques, mísseis e sistemas a laser.
Para se ter uma ideia, apenas um F-35 contém cerca de 400 kg de materiais de terras raras, enquanto alguns submarinos ultrapassam os 4.000 kg. Apesar de a indústria de defesa dos Estados Unidos e o Pentágono terem acumulado reservas estratégicas desses elementos, analistas alertam que esses estoques mal cobririam alguns meses de produção e manutenção — nem de longe sustentariam anos.
Por isso mesmo, como mencionamos recentemente, Washington tem voltado os olhos para o fundo do Pacífico.
Sinais de alerta
A verdade é que os Estados Unidos já tinham consciência dessa dependência e dos riscos envolvidos há alguns anos. Um caso emblemático foi o chamado “escândalo do ímã do F-35”, em 2022, quando o Departamento de Defesa suspendeu temporariamente a entrega dos aviões após descobrir que um dos componentes continha uma liga metálica fabricada na China, violando as normas de aquisição da defesa americana.
Embora na época o material não tenha sido considerado uma ameaça direta, o episódio escancarou a profundidade da dependência dos EUA. Agora, com a exigência de que exportadores chineses solicitem permissões especiais antes de enviar terras raras aos Estados Unidos, especialistas já antecipam uma alta nos preços que deve afetar toda a base industrial de defesa.
Sim, a mina de Mountain Pass, na Califórnia, retomou as operações, mas sua produção ainda está longe de competir com a capacidade chinesa.
Precedentes históricos
Olhando para o passado, a história mostra exemplos de como os Estados Unidos precisaram se adaptar a interrupções no fornecimento de materiais estratégicos em tempos de guerra. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a bauxita durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha afundava navios cargueiros aliados que transportavam o minério desde o Suriname.
Naquela época, Washington recorreu a reservas domésticas no Arkansas para garantir a produção de aviões.
Atualmente, segundo o Times, já há vozes dentro do setor — como a do American Enterprise Institute — que alertam: as reservas atuais não seriam suficientes para sustentar o complexo militar-industrial em caso de uma interrupção prolongada no fornecimento vindo da China.
Apesar das iniciativas dos governos Trump e Biden para reativar a produção nacional de minerais críticos, a indústria ainda permanece altamente vulnerável às decisões de Pequim.
Uma encruzilhada crítica
Não há dúvidas de que o pano de fundo é bem mais amplo e está diretamente ligado ao que ocorreu na guerra comercial. O controle chinês sobre o fornecimento de terras raras não representa apenas uma vulnerabilidade logística ou econômica: é um desafio geoestratégico de primeira ordem à supremacia tecnológica que os Estados Unidos sempre ostentaram no campo militar.
A medida recente da China não fecha completamente as rotas comerciais, mas deixa claro que Pequim tem em mãos uma poderosa alavanca de pressão sobre a indústria de defesa norte-americana.
Diante disso, analistas concordam que Washington precisa acelerar seus esforços para diversificar as fontes de abastecimento, recuperar capacidades industriais internas e garantir a resiliência de uma cadeia de suprimentos que sustenta boa parte de seu poder global.
Caso contrário, a próxima crise pode não se limitar a um simples “tiro de advertência”, mas se transformar em um golpe direto na espinha dorsal tecnológica da defesa nacional.
Ver 0 Comentários