Tendências do dia

Madri dá mais um passo na turistificação acelerada: transformar estabelecimentos comerciais no centro em banheiros pagos

  • Uma empresa acaba de converter uma agência bancária em um banheiro pago

  • Isso se soma a um fenômeno que vai além e também afeta o comércio, a hotelaria e a habitação

Banheiros públicos na Espanha suscitam discussão: o comércio local está dando espaço aos serviços para turistas? / Imagem: Manuel M.V. (Flickr) e Help Stay (Unsplash)
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

A turistificação molda as cidades. Isso não é novidade. Nem algo que os moradores das cidades espanholas com maior fluxo de visitantes, como Barcelona, Madri ou Palma, já não tenham sentido na pele. O aumento do aluguel por temporada impulsiona os preços da habitação, contribui para a gentrificação dos bairros mais centrais e redefine o comércio e a hotelaria.

Em Madri, porém, esse processo ameaça ir além: fazer com que a cidade se assemelhe, de certo modo, a um festival de música. Já começam a aparecer algumas áreas de armazenamento para viajantes e estabelecimentos comerciais transformados em banheiros.

Um banheiro privado… e algo mais

As tendências — e a turistificação de uma cidade é uma delas — se desenvolvem lentamente, ao longo do tempo e por meio da acumulação. Mas isso não impede que, de tempos em tempos, surjam casos concretos com forte valor simbólico. Eles representam, personificam. Madri acaba de dar um exemplo claro disso: em uma de suas áreas mais centrais e turísticas, uma antiga agência bancária foi convertida em banheiros.

O caso foi comentado recentemente no X por Antonio Giraldo, urbanista e vereador em Madri, e não demorou a chamar a atenção das redes sociais e da mídia. Perto da Plaza Mayor, um dos pontos turísticos mais conhecidos da capital, foi inaugurado um negócio peculiar: banheiros privados na calçada, acessíveis mediante o pagamento de um euro. O estabelecimento ocupa um local na Plaza de San Miguel.

Por que isso é importante?

Pelo que representa. No Street View, pode-se ver que, há alguns anos, aquele mesmo espaço abrigava as agências de um banco. Hoje, é um banheiro privado na calçada, com uma enorme placa de “WC” na vitrine, um leitor para pagamento com cartão, uma placa com o preço e tudo o que se espera de um banheiro: cabines, vasos sanitários, lixeiras, dispensadores de papel higiênico, lavatórios, etc. O elDiario.es especifica que o local tem 273 m², embora, na realidade, sejam dois estabelecimentos, sendo que um ainda está fechado.

O negócio não faz distinções e os banheiros podem ser usados tanto por moradores quanto por turistas, mediante pagamento de um euro. Nesse caso, o onde importa quase tanto quanto o que. O local foi aberto em um ponto muito turístico, na saída do Mercado de San Miguel, perto da Plaza Mayor. Na verdade, a poucos minutos a pé dali, há vários banheiros públicos, parte de uma rede de 129 banheiros de acesso livre, cujo custo de manutenção — esclarece a prefeitura — é financiado pela publicidade.

Dois enfoques, dois públicos

Tanto antes, quando era uma agência bancária, quanto agora, convertido em um WC pago, o local se destina basicamente para a mesma coisa: oferecer serviços. Muito diferentes, é verdade, mas serviços, afinal de contas. A grande questão é... quem usa uma agência bancária e quem usa um banheiro privado? Essa é a chave que Antonio Giraldo deixa em aberto no X.

"Sim, uma agência bancária oferece serviços aos moradores, especialmente aos mais velhos. Não critico os banheiros, critico a transformação dos comércios para serviços voltados aos turistas em detrimento dos madrilenhos naquela região. Lojas de souvenirs, tours, armários...", alerta o vereador. Ele fala de Madri, mas não é algo excepcional. Nem Madri é a única cidade a experimentar esse fenômeno.

"Diminui a qualidade"

Em um documento oficial, no qual reconhece que a cidade está alcançando "níveis de saturação sem precedentes", a Prefeitura de Málaga fala sobre essa mesma realidade de forma bastante crítica.

"O turismo de massa pode levar à proliferação de estabelecimentos gastronômicos de baixa qualidade, deteriorando a experiência tanto para turistas quanto para moradores", aponta o relatório, antes de alertar sobre o risco de "expulsão de negócios autênticos e com valor agregado, substituídos por lojas de souvenirs e outros comércios voltados para turistas." Não é nada que destinos grandes como Amsterdã não tenham vivenciado.

Espaços conquistados para o turista

O caso dos banheiros gerou interesse, também, por quem impulsionou o negócio, mas não é o único exemplo de espaços que o turismo tem ocupado nas ruas de Madri.

No centro da cidade, pode-se encontrar um número considerável de lojas de souvenirs e estabelecimentos claramente voltados para os viajantes. De fato, já existem cadeias centradas nesse serviço que se expandem pelas capitais mais visitadas do país, como Madri, Barcelona, Valência e Málaga. Há também comércios que facilitam o check-in em apartamentos do Airbnb.

Um impacto desigual

A hotelaria também não é imune a essa tendência. Em 2024, a Fedea publicou um relatório que analisa o impacto da conversão de edifícios históricos em hotéis no entorno. E a leitura é um tanto agridoce. O estudo constatou que os novos alojamentos têm "um efeito positivo" no comércio e no emprego do bairro, chegando a falar de uma "revitalização econômica significativa". No entanto, nem todos os tipos de negócios saem favorecidos.

"O impacto positivo não é homogêneo. Atividades relacionadas ao turismo e ao setor de serviços, como restaurantes, lojas de moda e souvenirs, são beneficiadas, enquanto as indústrias tradicionais foram deslocadas do centro das cidades", resume.

O estudo também constatou que a abertura de hotéis nas cidades favoreceu principalmente os negócios com grandes sociedades por trás, em detrimento dos autônomos. De fato, fala-se de um "deslocamento de bares e restaurantes" locais em favor das cadeias e negócios com "maior porte".

A habitação, grande protagonista

Se há um campo onde a turistificação é sentida de maneira especialmente clara, é o da habitação. No final de 2024, o INE contabilizava em Madri quase 17.300 habitações turísticas, das quais cerca de 7.300 estavam concentradas na área central, o Distrito 1. E em 2013, a Fravm fornecia dados do Airbnb que sugeriam que, pelo menos nessa plataforma, a oferta local poderia ser bem maior. Seja ou não esse o caso, o certo é que a Prefeitura tomou medidas para controlar a oferta.

Medidas semelhantes, direcionadas a conter a expansão descontrolada dos apartamentos turísticos, também foram adotadas em Barcelona, Valência, Málaga e Santiago. Existem estudos que confirmam que o arrendamento de curto prazo esgota e encarece a oferta residencial, fazendo com que os preços subam mais de 30%.

Imagens | Manuel M.V. (Flickr) e Help Stay (Unsplash)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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