Achávamos que sabíamos a imensa quantidade de dinheiro que a Arábia Saudita está gastando no projeto Neom, mas gente não tinha nem ideia

Por trás dos anúncios estrondosos, cada um mais espetacular e difícilmente viável, havia um gasto que não se ajustava à realidade

O valor é 25 vezes o orçamento anual da Arábia Saudita / Imagem: Google
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

No início de março, o Neom — projeto de cidade tecnológica na fronteira entre Arábia Saudita, Egito e Jordânia — voltou a ser notícia. As imagens de satélite do Google mostravam que a expansão de seu porto havia experimentado uma transformação significativa como parte do Oxagon, a "pata" industrial futurista de Neom. Mais uma vez, a hipérbole inundava um projeto que nasceu exagerado e que, talvez, morra exatamente da mesma forma.

Sonhos e caos

Neom é um projeto ambicioso destinado a transformar o país em um centro global de tecnologia e negócios. Mas ele também enfrenta sérios problemas que colocaram em dúvida sua viabilidade.

Apesar dos 50 bilhões de dólares já investidos, esse megaprojeto se tornou um desafio monumental para o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MBS) devido aos custos descontrolados, aos enormes atrasos e a um modelo de gestão repleto de ilusões e ocultamento financeiro.

O espetacular evento de inauguração em outubro na ilha de Sindalah, com a presença de celebridades como Will Smith, Tom Brady e Alicia Keys, hoje é visto sob outra perspectiva. Qual a razão? Ocultava-se uma realidade menos glamourosa: as construções estavam incompletas, os orçamentos haviam sido triplicados e o próprio príncipe herdeiro se ausentou inesperadamente, um gesto interpretado por muitos como um sinal de desaprovação.

Não só isso. Semanas depois, o CEO do Neom acabou sendo substituído e uma nova equipe executiva assumiu o controle em uma tentativa desesperada de corrigir o rumo do projeto.

Promessas futuristas X realidade

Não há dúvida de que Neom foi concebido como uma cidade do futuro com elementos de ficção científica, no estilo do The Line, aquele par de arranha-céus de 170 km de comprimento e 500 metros de altura (posteriormente reduzido no orçamento); Trojena, a estação de esqui no deserto; Oxagon, uma espécie de distrito flutuante de negócios e indústria; e Sindalah, um espetacular resort de luxo no Mar Vermelho.

No entanto, a realidade tem sido bem diferente. Sindalah tem atrasos de mais de três anos e ainda não abriu seus hotéis nem o campo de golfe, enquanto o Neom enfrenta um corte em sua primeira fase, o que coloca em risco a atração da população necessária para justificar o investimento. A isso se somam os custos descontrolados: estima-se que o Neom custará 8,8 trilhões de dólares até 2080, mais de 25 vezes o orçamento anual do país. Além disso, há os desafios logísticos evidentes, já que a construção no deserto carece da infraestrutura básica necessária (mão de obra, estradas, portos e eletricidade).

O megaporto projetado para Oxagon O megaporto projetado para Oxagon

O desastre financeiro se revela

E assim chegamos à notícia desta semana que abalou a viabilidade do projeto. Um relatório interno de mais de 100 páginas, revisado pelo The Wall Street Journal, revelou que os executivos de Neom, com o apoio da consultoria McKinsey & Co., têm alterado as estimativas financeiras para justificar o aumento dos custos. Em outras palavras: o relatório encontrou "evidências de manipulação deliberada" de números para esconder os gastos reais.

Em Trojena, por exemplo, quando o custo disparou em 10 bilhões de dólares, em vez de reduzir os gastos, inflaram-se as expectativas de receita, elevando artificialmente as tarifas de hotéis e acampamentos de luxo. Por exemplo, a tarifa projetada de um hotel boutique passou de 489 dólares para 1.866 dólares por noite. E o "glamping" de luxo subiu de 216 dólares para 704 dólares por noite. A McKinsey, que cobrou mais de 130 milhões de dólares por ano em honorários do Neom, validou essas projeções depois que outra consultoria se recusou a fazê-lo, segundo a auditoria.

O papel do príncipe

O projeto também conta com a construção de um monumental palácio para o homem por trás do projeto faraônico. O príncipe herdeiro tem estado diretamente envolvido em cada decisão importante, supervisionando projetos arquitetônicos e sugerindo ideias inspiradas em videogames e filmes de ficção científica. Algumas de suas propostas incluem uma arquitetura "gravidade zero", que desafia as leis físicas; ou "O Candelabro", um arranha-céu de 30 andares suspenso de cabeça para baixo de uma ponte; ou teatros flutuantes entre arranha-céus e um parque de diversões a 300 metros de altura.

Quando os engenheiros tentaram reduzir a altura de The Line para economizar custos, bin Salman rejeitou a ideia, insistindo que os 500 metros de altura deveriam ser mantidos. Em outro caso, quando o arquiteto original de The Line, Thom Mayne, quis expressar preocupações sobre os custos excessivos, os executivos de Neom simplesmente bloquearam seu acesso ao príncipe.

Com os custos fora de controle, o governo saudita começou a modificar os prazos e expectativas. A construção inicial do The Line foi reduzida de 10 km para apenas 1,5 km. Um túnel de 30 km para trens foi cancelado devido aos custos excessivos. Finalmente, a meta de ter a primeira seção funcional para 2030 foi adiada para 2034.

Dito isso, e apesar das medidas adotadas, o príncipe e o fundo soberano saudita continuam apostando no projeto, embora tenham começado a descrevê-lo como "um investimento geracional", em vez de uma fonte de crescimento imediato para a Visão 2030.

O tempo, claro, ditará a sentença, mas Neom, atualmente, se aproxima de um exemplo de planejamento bastante irrealista, gastos descontrolados e falta de supervisão financeira. A cidade futurista do deserto, concebida como a "revolução civilizatória" do príncipe Mohammed bin Salman, parece estar presa em um choque entre fantasia e realidade e, apesar dos bilhões investidos, seu sucesso continua sendo, no mínimo, altamente incerto.

Imagem | Google

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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