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A boa notícia para a Rússia é que o terremoto ocorreu em uma área afastada; a má notícia é que essa área concentrava seus submarinos nucleares

O episódio mostra como a estabilidade do arsenal nuclear mundial está vulnerável a fatores naturais imprevisíveis

Terremoto na Rússia supostamente não afetou base militar de Rybachiy / Imagem: Ministério da Defesa da Rússia
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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Na terça-feira, 29/7, tivemos a notícia de um terremoto histórico em uma região do planeta que talvez você nunca tenha ouvido falar na vida. Faz sentido, pois Kamchatka fica na ponta mais oriental da região do Extremo Oriente russo, um lugar tão inóspito que tem um “lado bom” nessa história: não houve baixas humanas na Rússia. No entanto, justamente por sua localização geográfica, é ali que Moscou guarda parte de seu arsenal nuclear.

Sim, o terremoto de magnitude 8,8 que sacudiu a península de Kamchatka — um dos mais fortes registrados na história moderna — colocou sob os holofotes internacionais uma das instalações militares mais sensíveis da Rússia: as bases navais da baía de Avacha.

O tremor, que gerou ondas de tsunami no Pacífico e coincidiu com a erupção do vulcão Klyuchevskaya Sopka, ocorreu a apenas 100 quilômetros do coração do poder dissuasório nuclear russo no Extremo Oriente. Embora as autoridades de Moscou afirmem que não houve vítimas fatais nem danos graves, dúvidas permanecem sobre o estado real de Rybachiy, base principal dos submarinos estratégicos russos, e do complexo naval de Petropavlovsk-Kamchatsky.

Rybachiy: o bastião da dissuasão nuclear

A base de Rybachiy abriga a espinha dorsal da frota estratégica submarina da Rússia no oceano Pacífico: os submarinos nucleares lançadores de mísseis balísticos da classe Borei e Borei-A, sucessores dos antigos Delta, capazes de transportar mísseis balísticos intercontinentais com ogivas nucleares. Essa instalação, complementada por estaleiros e docas para carregamento de mísseis, representa uma peça central da tríade nuclear russa, projetada para garantir a capacidade de retaliação em caso de conflito global.

Na região também operam submarinos avançados de ataque, como os Yasen-M (considerados pelos Estados Unidos como uma das principais ameaças subaquáticas), além das unidades Oscar e outros submarinos de propulsão nuclear ou convencional. A vulnerabilidade desses ativos a fenômenos naturais extremos gera agora sérias dúvidas.

À incerteza se soma o fato de que a Rússia planeja deslocar o misterioso K-329 Belgorod para essa mesma base. Esse submarino, o mais longo do mundo, é uma versão profundamente modificada da classe Oscar II, concebido para transportar os torpedos nucleares intercontinentais Poseidon, um sistema estratégico também conhecido como Status-6, pensado para burlar defesas e gerar tsunamis radioativos.

Além disso, o Belgorod foi projetado para missões de inteligência submarina e operações secretas. A simples possibilidade de que ele estivesse na Baía de Avacha durante o terremoto aumenta o interesse estratégico dessa catástrofe natural.

Riscos técnicos imediatos

Até o momento, não há evidências claras de danos nas infraestruturas nem nas unidades atracadas. A própria geografia da baía pode ter atuado como um escudo natural contra o impacto das ondas.

No entanto, analistas do TWZ apontaram que até mesmo pequenas variações no nível do mar podem causar problemas críticos: desde submarinos sendo violentamente sacudidos em seus amarradouros (incidentes conhecidos como abalanços) até a entrada de água em comportas abertas ou em embarcações em manutenção. A robustez das instalações, construídas com a hipótese de um ataque nuclear em mente, reforça a ideia de que os danos foram limitados, mas não elimina totalmente a incerteza.

Além da situação específica, o terremoto expõe um dilema estrutural: o risco de concentrar uma parte substancial da dissuasão nuclear russa em um enclave geográfico limitado.

A baía de Avacha, com seus estaleiros, arsenais e unidades estratégicas, constitui um alvo crítico tanto do ponto de vista militar quanto natural. A ameaça de um ataque inimigo foi prevista no planejamento das bases, mas não a de um fenômeno sísmico de magnitude histórica, capaz de colocar em xeque a segurança de uma peça fundamental da tríade nuclear russa.

Implicações estratégicas

No fundo, o episódio mostra como a estabilidade do arsenal nuclear mundial pode depender de fatores naturais imprevisíveis. Um único terremoto, em questão de segundos, pode comprometer a operacionalidade de submarinos estratégicos cuja função é garantir o equilíbrio do terror nuclear.

O fato de Kamchatka combinar vulnerabilidades geológicas com ativos militares de primeira linha revela também a fragilidade inerente aos sistemas globais de dissuasão. A comunidade internacional — e, em especial, as potências nucleares rivais — observará atentamente os relatórios que saem de Moscou, conscientes de que a natureza, diferentemente dos cálculos estratégicos, é impossível de ser dissuadida.

Imagem | Ministério da Defesa da Rússia

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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