Imagine ser capaz de pegar uma berinjela selvagem, pequena e amarga, e, com um único ajuste genético, transformá-la em uma variedade muito diferente, muito maior e pronta para o mercado. Isso, que parece saído de um filme de ficção científica, pode ser uma realidade cada vez mais próxima, como sugere um estudo publicado na revista Nature, que decifrou o "manual de instruções" genético de toda a família da berinjela, assim como do tomate.
O problema
Atualmente, vivemos um momento em que o clima está mudando radicalmente, com temperaturas em elevação e redução da precipitação que chega aos nossos campos. Isso exige um "plano B" que nos permita continuar cultivando com eficiência e alimentando uma população inteira, apesar do declínio climático. E a genética, neste caso, está se preparando para isso com diversas mudanças.
A agricultura de alimentos geneticamente modificados está começando a ganhar força. Modificar uma semente de fruta para produzir melhorias significativas — como uma produção mais suculenta, maior ou mais eficiente — é o futuro da engenharia agrícola. E tudo isso para atender a uma demanda cada vez maior por alimentos, mas com um espaço menor e mais adequado para isso.
Um compromisso em prol do sabor
Mas essas modificações genéticas levantam muitas questões. O objetivo agora é ter tomates ou berinjelas carnudos e também muito alongados, mas sem pensar em mais nada. Se comemos um tomate, em muitas ocasiões, o que queremos é que ele seja suculento e saboroso. Mas a modificação genética pode ignorar esses tipos de componentes, tão essenciais para ser mais "produtivo" e nutritivo.
Mas o foco da pesquisa atual está no tamanho. Se um tomate "do futuro" puder ser equivalente a três tomates "atuais", teremos realmente dado um passo muito importante. E isso já está sendo observado.
A pesquisa
Uma equipe internacional de cientistas criou o primeiro "pangenoma" do gênero Solanum. Esta família inclui não apenas tomates e berinjelas, mas também batatas e dezenas de outras culturas consumidas localmente em todo o mundo, abrindo caminho para grandes avanços no campo da alimentação e da indústria agroalimentar.
O objetivo
Para os pesquisadores, o objetivo era bastante claro desde o início: entender por que um gene que produz uma característica desejável, como frutos maiores em tomates, não funciona quando aplicado à berinjela. A resposta, neste caso, é bastante clara: redundância genética.
O obstáculo
Neste caso, os cientistas perceberam que o principal obstáculo à aplicação dessa modificação genética residia nas duplicações genéticas, conhecidas como parálogos. Para entender esse conceito, podemos imaginar uma luz em uma sala que seria o nosso fenótipo, e para desligá-la é necessário pressionar dois interruptores que a controlam.
Esses interruptores são o que chamamos de parálogos, e para apagar a luz, ambos os interruptores precisariam ser desativados. É o que acontece em muitas espécies, que criaram "cópias de segurança" de seus interruptores, de modo que desligar apenas um não faria absolutamente nada e não se materializaria em seu fenótipo, como seu tamanho.
É por isso que esta equipe analisou 22 espécies de Solanum e descobriu que, embora a estrutura geral dos cromossomos seja semelhante, milhares de genes-chave sofreram variações diferentes ao longo de sua evolução.
O gene freio
Os cientistas sabem há muito tempo que um gene chamado CLAVATA3 (CLV3) é o principal regulador do tamanho dos frutos em tomates. Sua função é, essencialmente, atuar como um freio. Ele informa às células-tronco nos pontos de crescimento da planta (meristemas) quando parar de se dividir.
Assim, quando esse gene sofre mutação ou é "desativado", os freios são liberados e a placa produz mais células, resultando em flores maiores, com mais compartimentos para sementes, e também em frutos muito maiores. E esta é a chave para a domesticação do tomate.
O problema é que o tomate tem um "freio de mão" adicional, um gene parálogo chamado CLE9. Portanto, mesmo que alteremos o CLV3, ele não terá seu efeito completo, pois terá esse interruptor extra que também precisa ser alterado.
CRISPR
É uma ferramenta de edição genética que nos permitirá alcançar o efeito desejado e cortar o freio CLV3 para que as frutas possam evoluir. Cientistas testaram a técnica na berinjela africana, uma espécie que perdeu seu freio CLE9 há muito tempo, mas possui uma cópia funcional do CLV3. Quando os cientistas usaram o CRISPR para desativar essa única cópia funcional, o resultado foi um crescimento massivo e descontrolado, provando que esse gene era o único freio que lhe restava.
Em outro experimento, foi utilizado S. prinophyllum , que não possuía CLE9, mas possuía duas unidades de CLV3 (CLV3a e CLV3b). Nesse caso, quando os pesquisadores editaram uma única cópia, a restrição foi enfraquecida e a planta produziu frutos com mais lóbulos e, portanto, frutos ligeiramente maiores. Mas quando removeram ambas as restrições, o crescimento descontrolado foi observado novamente.
A descoberta surpreendente
Ao conduzir pesquisas nesse sentido, os especialistas notaram algo inesperado: um gene completamente diferente no cromossomo 2, chamado SaetSCPL25-like, atuou como o principal "interruptor" de tamanho na berinjela africana. Essa resposta se deveu a uma pequena mutação natural nesse gene, associada aos lóculos adicionais por fruto.
Para testar isso, eles inverteram o experimento. Pegaram esse novo gene e o interromperam com CRISPR em um tomate comum. O resultado, neste caso, foi que o fruto tinha mais lóculos, o que significa que era muito maior. Dessa forma, os pesquisadores encontraram uma segunda via genética para aumentar o tamanho do fruto, além de interromper suas inibições.
Uma revolução agrícola
Este estudo não apenas nos revela o segredo para a criação de tomates e berinjelas muito grandes. É um mapa detalhado que nos diz quais "reservas" genéticas cada planta possui. Anteriormente, a engenharia genética em plantações era uma proposta muito arriscada. Agora, os cientistas podem analisar esse pangenoma, verificar se a berinjela que desejam melhorar possui uma, duas ou três "chaves" para a característica que desejam explorar e elaborar uma estratégia de edição em laboratório.
Dessa forma, o tamanho dos frutos pode ser melhorado para torná-los mais eficientes, mas também pode ser usado para modificar o período de floração ou a resistência à seca. Em última análise, isso permite que as culturas locais se adaptem rapidamente a novos climas.
Embora neste caso possam surgir diversas questões éticas, já que muitas pessoas rejeitam categoricamente o consumo de alimentos que foram geneticamente editados em laboratório para serem muito mais eficientes.
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