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Especialista afirma que alguns soldados russos valem mais mortos do que vivos trabalhando onde moram

O conflito na Ucrânia revelou uma equação sombria e cruel que incentiva a participação militar

Indenizações e prêmios aumentam o valor econômico de soldados mortos em comparação com eles vivos | Imagem: Latvijas armija
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Embora notícias recentes apontem que a guerra na Ucrânia esteja avançando para uma fase decisiva, as baixas em ambos os lados continuam a aumentar — e sob um custo que, em algumas ocasiões, é completamente imprevisível. O que vemos ocorrer é um daqueles paradoxos que só podem surgir em uma distopia ou em um conflito bélico: mortos cujo "valor" econômico supera o das pessoas vivas trabalhando.

A “economia da morte” na Rússia

O The Wall Street Journal detalhou essa situação em uma longa reportagem. No contexto da prolongada invasão da Ucrânia, a Rússia estabeleceu um sistema econômico que atribui um valor monetário significativo às mortes no campo de batalha, um sistema capaz de gerar impactos econômicos e sociais tanto para as famílias das vítimas quanto para as regiões mais empobrecidas do país.

Nesse sentido, o economista Vladislav Inozemtsev explicou ao jornal que a família de um homem de 35 anos que sirva por um ano no exército e morra em combate recebe, em média, 14,5 milhões de rublos (cerca de R$ 910 mil). Esse valor não inclui outros bônus e indenizações adicionais.

O paradoxo ocorre porque essa quantia é substancialmente maior do que o que um trabalhador médio ganharia até os 60 anos em muitas regiões da Rússia. Para muitas famílias em áreas rurais ou desfavorecidas, esse cálculo transforma a morte em uma opção "rentável", expondo uma equação sombria e cruel que incentiva a participação militar.

Impacto regional: riquezas de luto

O The Wall Street Journal cita como exemplos as regiões de Tuva e Buriátia. Ambas têm registrado um crescimento significativo em seus depósitos bancários, com aumentos de 151% e 81%, respectivamente, desde janeiro de 2022. Essas áreas, historicamente marcadas pela escassez, viram suas taxas de pobreza diminuírem, evidenciando como os pagamentos pelas mortes no front geraram uma bonança econômica local em meio à tragédia.

Mas há mais. Também foi registrado um boom imobiliário, com um aumento de 32% na construção residencial em Buriátia, comparado a apenas 2% no nível nacional. Além disso, o gasto em restaurantes e bares em regiões como Altai cresceu 56% no último ano, refletindo um aumento no consumo.

O recrutamento

Com mais de 600 mil soldados mortos ou feridos desde o início do conflito na Ucrânia, de acordo com as estimativas, é bem conhecido que a Rússia enfrenta uma necessidade urgente de substituir as baixas. Calcula-se que sejam necessários 30 mil novos recrutas por mês, o que levou o Kremlin a oferecer somas significativas como incentivo, evitando assim medidas mais drásticas — como uma mobilização geral, que poderia ser politicamente impopular.

Atualmente, o salário mínimo de um soldado na Ucrânia é de 210 mil rublos (cerca de R$ 13 mil), quase três vezes o salário médio nacional. Além disso, são concedidas bonificações adicionais por participar de operações ofensivas e atos destacados em combate. Todo esse pacote de benefícios permite recrutar cerca de mil homens por dia, segundo o Ministério de Defesa do Reino Unido. Paralelamente, tudo indica que foram buscadas alternativas insólitas, como a negociação com a Coreia do Norte para o envio de tropas adicionais.

Distorções econômicas e tensão

Este é outro aspecto da guerra. O conflito criou desequilíbrios na economia russa. A inflação atingiu quase 10% em setembro, com aumentos pronunciados em produtos básicos como as batatas, cujo preço subiu até 73% neste ano. Embora o enorme gasto militar tenha sustentado o crescimento do PIB, as sanções internacionais e as distorções estruturais geram incerteza sobre a sustentabilidade da economia.

Nesse sentido, alguns especialistas alertam que a Rússia pode não ser capaz de manter o esforço bélico além de 2025, especialmente se persistirem as atuais pressões financeiras. E não é só isso. A guerra também compete diretamente com o setor privado russo, onde fábricas dedicadas à produção de armamento oferecem salários elevados para manter operativas as linhas de produção. É tal a situação que, segundo o WSJ, o fenômeno exacerbou a escassez de trabalhadores em outras indústrias, aumentando a pressão sobre a economia e contribuindo para o encarecimento de bens e serviços.

Economia da morte

O paradoxo do “valor econômico” de um soldado morto em comparação com o valor em vida só pode ocorrer em uma situação tão extrema quanto a guerra. A chamada "economia da morte" ou “deathonomics” na Rússia destaca como, neste caso, o governo russo parece ter convertido a perda humana em uma ferramenta financeira para sustentar a guerra na Ucrânia.

Sem dúvida, tal sistema, embora temporariamente benéfico para algumas comunidades, reflete um modelo claramente insustentável a longo prazo, cheio de tensões internas, desafios econômicos e um futuro incerto.

Imagem | Latvijas armija

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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