O Reino Unido proibiu o uso de celulares nas escolas para proteger as crianças; agora são os adolescentes que estão pedindo ajuda

Diante da crescente preocupação pública, o secretário de tecnologia Peter Kyle propõe a possibilidade de impor restrições de horário para certos aplicativos

Adolescentes pedem ajuda com tecnologia excesso de telas. Imagem: Pexels
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

O caso do Reino Unido em relação às regulações sobre o uso de celulares e redes sociais por menores de idade é, possivelmente, o mais contraditório da Europa. Enquanto muitos países adotaram leis para proteger as crianças nas escolas, os britânicos tiveram que agir por conta própria, sem respaldo direto do governo. Até 90% das escolas já proibiram o uso dos aparelhos, e agora são os próprios adolescentes que também estão pedindo ajuda.

A geração TikTok

Foi o que o jornal The Guardian destacou há algumas horas, com base em uma nova pesquisa do British Standards Institution que revelou uma paradoxa inquietante no coração da geração digital: quase metade dos jovens entre 16 e 21 anos no Reino Unido preferiria viver em um mundo onde a internet simplesmente não existisse.

Mesmo tendo crescido em um ambiente MEGA conectado, a maioria desses jovens reconhece o peso emocional da vida online. Cerca de 70% diz se sentir pior consigo mesmo depois de passar um tempo nas redes sociais, enquanto 50% apoiaria a criação de um “toque de recolher digital” que limite o uso de certos aplicativos depois das 22h.

Outros problemas que não param por aí

A pesquisa também revela práticas de risco bastante comuns entre os jovens: 42% disseram já ter mentido sobre a própria idade em algum momento, outros 42% admitiram esconder dos pais o que fazem online, e mais de um quarto já fingiu ser outra pessoa na internet. Além disso, 27% afirmaram ter compartilhado sua localização com desconhecidos, o que escancara os riscos de exposição, manipulação e perda de privacidade que cercam a experiência digital da juventude.

Vício, ansiedade e hiperconexão

Por trás disso tudo, há um problema mais amplo e já conhecido. Os dados surgem num cenário em que muitos jovens ainda lidam com as consequências emocionais do tempo excessivo em frente às telas durante a pandemia. Cerca de 68% afirmam que sua saúde mental foi impactada negativamente pelas horas passadas online, e um quarto dos entrevistados passa pelo menos quatro horas por dia só em redes sociais.

Longe de ser um espaço seguro, a internet virou, para muitos, um campo minado de pressões estéticas, assédio, ansiedade por performance e estímulos constantes guiados por algoritmos que, como alerta Andy Burrows, da Fundação Molly Rose, podem levar os usuários por espirais de conteúdos nocivos sem que eles sequer percebam.

O impacto é profundo e contínuo, ainda mais quando se considera que muitas dessas plataformas são feitas não só para capturar a atenção, mas para mantê-la sem limites claros, explorando justamente a vulnerabilidade emocional da adolescência.

Regulação como dívida pendente

Diante da crescente preocupação pública, o secretário de tecnologia do Reino Unido, Peter Kyle, propôs recentemente a possibilidade de impor restrições obrigatórias de horário para certos aplicativos, como TikTok e Instagram. A ideia reacendeu o debate sobre o papel do Estado diante das big techs.

Por outro lado, especialistas como Rani Govender, da organização de proteção à infância NSPCC, alertam que toques de recolher digitais, embora úteis, não são suficientes. Segundo ela, os menores continuarão expostos aos mesmos conteúdos nocivos durante o dia e, sem uma reforma mais ampla no próprio design dessas plataformas, qualquer tentativa de controle será incompleta.

Uma utopia

No fundo, a mensagem dos jovens é clara, como mostra a pesquisa: eles estão conscientes dos riscos, querem mudanças e exigem mais responsabilidade das empresas de tecnologia. E, enquanto isso, a pergunta que paira no ar entre quase metade deles é tão radical quanto reveladora: como seria crescer sem internet?

Não se trata de nostalgia, mas de um desejo que nasce do cansaço, da saturação e da vontade de reencontrar uma forma de estar no mundo que seja mais saudável, mais humana e, talvez, mais livre — ainda que utópica.

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