Na mitologia chinesa, Kuafu era um gigante que desafiou os deuses ao tentar capturar o Sol para dar luz e calor ao seu povo. Séculos depois, a China persegue a mesma ambição, mas agora com ciência de ponta: criar um “Sol artificial” que forneça energia limpa e ilimitada. E, nesse caminho, os engenheiros acabam de apresentar um novo protagonista digno de lenda: um robô colossal.
O braço para a fusão
O gigante asiático desenvolveu uma plataforma de manipulação remota para os futuros reatores de fusão. Trata-se de um sistema com três braços robóticos, cujo manipulador principal pode levantar até 60 toneladas — o peso de dez elefantes africanos — com precisão milimétrica, segundo o South China Morning Post. Enquanto isso, os dois braços secundários se destacam por uma precisão ainda mais extrema: ±0,01 milímetro, tornando-o o sistema de manipulação remota mais avançado no campo da fusão.
O objetivo de todo esse projeto é alcançar a fusão nuclear estável, aquela energia quase inesgotável que imita o processo que ocorre no núcleo do Sol. De fato, a China vem batendo recordes em seu reator experimental EAST, que este ano conseguiu manter um plasma confinado por 1.066 segundos, um recorde mundial que supera amplamente os 403 segundos alcançados em 2023. Mas, para que essa energia se torne comercial, é preciso resolver um desafio enorme: a manutenção.
Os componentes internos de um reator, como o revestimento ou o divertor, se danificam constantemente devido ao calor, à radiação e aos campos magnéticos. E é aí que entra em cena esse novo robô: nenhum ser humano poderia trabalhar nessas condições extremas.
O projeto em profundidade
O robô faz parte do CRAFT (Comprehensive Research Facility for Fusion Technology), uma instalação em Hefei, Anhui, apelidada de “Kuafu” em homenagem ao gigante mítico. Mais de 300 cientistas e engenheiros participam deste projeto, segundo o SCMP, sob a supervisão do Instituto de Física do Plasma da Academia Chinesa de Ciências. “Desenvolvemos uma máquina capaz de cumprir requisitos extremamente exigentes ao superar obstáculos em materiais, sensores e controle”, explicou Pan Hongtao, pesquisador do Instituto.
A ideia é usar o CRAFT como um banco de testes para desenvolver e validar tecnologias-chave da fusão, incluindo aquelas que serão aplicadas no futuro Reator de Fusão Experimental Chinês (CFETR) e no projeto internacional ITER, na França.
Por enquanto, não se trata de um robô operando em um reator, mas de uma plataforma experimental. Segundo o China Daily, o sistema já passou pela avaliação de especialistas e servirá como plataforma de verificação de engenharia para garantir que, quando os reatores entrarem em operação, a manutenção remota seja segura e precisa. O CRAFT, onde ele está instalado, tem previsão de conclusão para o final de 2025.
Embora o objetivo imediato seja manter reatores de fusão, a tecnologia não se limita a esse campo. Segundo a CGTN, os avanços alcançados com este robô também poderiam ser aplicados na inspeção de usinas nucleares, na indústria aeroespacial, em operações com maquinário pesado ou até em resgates de emergência.
Uma corrida global pelo Sol artificial
O robô Kuafu não surge no vácuo. Outros países também desenvolvem sistemas de manutenção remota, embora com capacidades muito menores. O braço mais avançado da Mitsubishi Heavy Industries (Japão) suporta apenas 2 toneladas. Em contraste, o robô chinês pode manipular cargas 30 vezes maiores.
No plano internacional, o projeto ITER, na França — que envolve 35 países — contará com um sistema capaz de manusear até 45 toneladas. O novo sistema chinês já o supera em capacidade de carga, embora ambos ainda sejam plataformas de desenvolvimento e não sistemas operacionais.
O roteiro é claro, mas lento: os especialistas chineses calculam que ainda faltam de 30 a 50 anos para ver reatores de fusão comerciais. E a União Europeia, com seu projeto EUROFusion, não espera iniciar testes com plasma antes do final deste ano.
A aposta da China na fusão nuclear avança com passos firmes. O desenvolvimento de um robô capaz de levantar 60 toneladas com precisão cirúrgica não é apenas uma conquista de engenharia: é uma peça essencial para que, algum dia, os reatores de fusão possam ser mantidos e operar de forma estável.
A humanidade tenta replicar a energia do Sol na Terra há mais de 70 anos. Com avanços como este, a China mostra que está decidida a ser protagonista nessa corrida.
Imagem | FreePik
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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