Alguns dias atrás, ocorreu um ataque que deve marcar um ponto de virada na guerra da Ucrânia. Kiev lançou a maior ofensiva com drones desde o começo do conflito, atingindo simultaneamente bases aéreas russas que vão da fronteira ocidental até a Sibéria oriental. A operação, planejada por mais de um ano e meio, tem como objetivo causar um impacto econômico e militar sem precedentes para Moscou.
No coração da Rússia, a Ucrânia confirmou oficialmente a autoria de um dos ataques mais inesperados e estrategicamente importantes do conflito. A operação “Spiderweb”, executada pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), atingiu a aviação estratégica russa ao inutilizar ou destruir pelo menos 34% da frota de bombardeiros de longo alcance — mais de 40 aeronaves, segundo dados ucranianos.
O prejuízo econômico estimado, caso confirmado, chega a 7 bilhões de dólares, embora ainda não tenha sido verificado de forma independente. Essa ofensiva, planejada em segredo por mais de 18 meses e coordenada pessoalmente pelo presidente Volodímir Zelenski e pelo chefe do SBU, tenente-general Vasyl Maliuk, representa uma mudança significativa na capacidade ofensiva de longo alcance da Ucrânia, que conseguiu penetrar o território russo com drones camuflados operados a partir de plataformas móveis.
Cinco bases estratégicas e a dissuasão nuclear afetada
A ofensiva, que ocorreu no domingo 1º de junho, teve como alvo cinco bases aéreas russas: Belaya, Diaghilevo, Olenya, Ivanovo e outra não especificada, localizadas nas regiões de Murmansk, Irkutsk, Ryazán e Amur. Nessas bases, estavam aeronaves estratégicas como os bombardeiros Tu-95 e Tu-22M3, usados frequentemente para lançar mísseis de cruzeiro contra cidades ucranianas, além de um avião A-50 de alerta antecipado.
Segundo fontes do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), 41 aeronaves foram atingidas, com pelo menos parte delas destruída em solo. As imagens mostram incêndios nas pistas e explosões de grande porte. Em alguns vídeos, é possível ouvir o tenente-general Vasyl Maliuk classificando o ataque como “bavovna”, termo ucraniano usado ironicamente para se referir a explosões em território controlado pela Rússia.
A operação revelou uma logística inédita
O New York Times divulgou imagens que comprovam que drones FPV foram introduzidos clandestinamente na Rússia, escondidos em estruturas de madeira que simulavam casas, montadas sobre caminhões. Esses veículos foram posicionados perto das bases aéreas e, no momento certo, os tetos foram abertos remotamente para liberar os drones, que voaram diretamente para os alvos sem alertar os sistemas de defesa.
A informação foi confirmada tanto pelo SBU quanto por autoridades regionais russas, incluindo o governador de Irkutsk, Igor Kobzev, que reconheceu que os drones foram lançados de um caminhão na localidade de Sredniy, marcando a primeira vez que a Sibéria sofre um ataque desse tipo.
Reações russas. O Ministério da Defesa da Rússia confirmou que cinco aeródromos em diferentes regiões foram atacados, mas classificou a ofensiva como um “ato terrorista” do “regime de Kyiv”.
Segundo Moscou, os ataques em Ivanovo, Ryazán e Amur foram repelidos, enquanto em Murmansk e Irkutsk “vários equipamentos de aviação pegaram fogo” após lançamentos de drones nas proximidades.
Também afirmaram que os incêndios já foram controlados, não houve vítimas e que alguns dos envolvidos nos ataques já foram detidos — mas essas informações ainda não foram confirmadas por fontes independentes. Paralelamente, vários canais russos no Telegram reconheceram que os drones saíram de caminhões estacionados em rodovias próximas aos alvos, revelando uma vulnerabilidade estrutural significativa na defesa dos ativos mais sensíveis da Rússia.
Ah, e mais: segundo fontes russas e ucranianas, os drones partiram de caminhões com placas de Chelyabinsk, montados em depósitos alugados dentro do próprio território russo — o que aponta para um nível de infiltração interna sem precedentes.
Ucrânia também sente o impacto
No mesmo domingo, quase simultaneamente, a Rússia lançou um ataque com mísseis contra uma base de treinamento ucraniana na região de Dnipró, causando pelo menos 12 mortos e mais de 60 feridos — uma das raras vezes em que as Forças Armadas da Ucrânia confirmam baixas significativas publicamente.
Como resultado, o comandante das forças terrestres, general de divisão Mykhailo Drapatyi, apresentou sua renúncia, assumindo “responsabilidade pessoal pela tragédia” — um reflexo de uma cultura de comando que valoriza a prestação de contas.
Apesar de garantirem que a maior parte do pessoal estava protegido durante o ataque, o episódio reacende o debate sobre a segurança das instalações militares diante de ataques russos cada vez mais intensos e coordenados.
Guerra e diplomacia
A ironia da guerra: as duas ofensivas aconteceram na véspera de novas negociações de paz em Istambul, promovidas por Moscou. Embora Kyiv tenha condicionado sua participação ao recebimento de um memorando russo com propostas de cessar-fogo, Zelenski confirmou o envio de uma delegação liderada pelo ministro da Defesa, Rustem Umerov.
O presidente ucraniano não esclareceu se o documento foi realmente recebido, limitando-se a dizer que as posições da Ucrânia para as conversas já estavam definidas. Enquanto isso, autoridades ucranianas acusam o Kremlin de usar as negociações como uma manobra para ganhar tempo, enquanto tenta avanços militares no campo após mais de três anos de conflito.
O papel dos drones
A operação Spiderweb deixou claro, mais uma vez, o valor tático dos drones de baixo custo e, ao mesmo tempo, escancarou as falhas na proteção dos ativos estratégicos dentro do aparato militar russo. A falta de hangares reforçados nas bases aéreas deixou os bombardeiros completamente expostos a enxames de drones FPV — alguns deles possivelmente turbinados por inteligência artificial e sistemas autônomos de navegação via reconhecimento de imagens — capazes de operar sem emitir sinais eletrônicos e sem precisar de controle remoto humano.
Essa nova geração de armamento não só corta custos e eleva a precisão dos ataques cirúrgicos, como também acende um alerta vermelho para a segurança de infraestruturas militares críticas no mundo todo, incluindo potências como os Estados Unidos, que já tiveram suas próprias bases alvo de incidentes parecidos.
A popularização desses “mini-invasores” mudou as regras do jogo da defesa aérea global, acelerando a corrida para criar contramedidas que estejam à altura dessa guerra assimétrica de altíssima precisão. É um novo capítulo da geopolítica tecnológica, onde quem não inovar, vai ficar pra trás — ou pior, vulnerável.
Um antes e um depois
Sem dúvida, além do impacto material, a operação Spiderweb carrega uma dimensão estratégica e simbólica gigante. Mostra que a Ucrânia consegue furar lá no coração do território inimigo usando recursos relativamente modestos, mas com uma precisão tática de mestre, quebrando a ideia de que a Rússia pode agir impunemente atrás das linhas de frente.
E não para por aí
Essa ação também expõe as limitações da Rússia para proteger seus ativos estratégicos, inclusive os ligados à dissuasão nuclear. O uso de drones lançados a partir de estruturas móveis dentro do próprio território russo representa um passo ousado na guerra moderna, onde tecnologia, camuflagem, inteligência operacional e coragem tática viram a balança do jogo.
A SBU já avisou: essa operação é só o começo de uma nova fase, uma fase onde Moscou não vai mais se sentir seguro nem nas bases mais distantes da linha de frente.
Agora é ficarmos atentos pra ver qual será a resposta russa nesse conflito que já ultrapassou um patamar nunca visto antes.
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