Samantha Tang é professora de ioga, tem 34 anos, mora em Hong Kong e é apaixonada pelo Japão. Tanto que, desde o fim da pandemia, ela tenta visitar o país uma vez por ano. Até recentemente, na verdade, planejava passar agosto nas praias de Wakayama, a 80 km de Osaka, no passado. Apesar de sua paixão pela cultura japonesa, Tang admitiu à CNN que vai adiar seus planos por um motivo peculiar: "Todo mundo fala sobre um terremoto chegando". Seu caso não é o único. O Japão descobriu que um número surpreendente de turistas está cancelando suas viagens ao país por medo de sofrer um desastre natural.
O mais curioso, porém, não é esse "susto" dos turistas, mas o que o desencadeou. Por trás da psicose não está o governo, um órgão sismológico, uma equipe de físicos e geólogos ou uma IA revolucionária, mas um mangá.
Uma história em quadrinhos de 1999
Se Tang reconsiderou sua próxima viagem ao Japão, como muitos outros viajantes assíduos e apaixonados pela cultura japonesa, é em grande parte por causa de uma história em quadrinhos lançada há alguns anos. Para entendê-la, precisamos voltar a 1999, quando Ryo Tatsuki publicou "Watashi ga mita mirai" ("O Futuro que Eu Vi"), um mangá no qual o autor fala sobre sonhos proféticos.
A obra poderia ter passado pelas livrarias do país sem sofrimento ou glória, não fosse o fato de que, nela, Tatsuki previu um grande desastre que ocorreria em março de 2011, mês e ano em que o Japão sofreu um grande terremoto com milhares de mortos e feridos. Essa coincidência deu enorme fama ao quadrinho. Ele começou a ser comentado nas redes sociais, em programas de TV e seus exemplares foram reavaliados.
Por que isso importa agora?
A obra acabou se tornando tão famosa que a editora Asuka Shinsha contratou Tatsuki para publicar uma nova versão, uma "edição completa", que foi lançada em 2021 e acabou se tornando um sucesso. A empresa afirma que, no total, mais de 960 mil cópias foram vendidas. O livro também foi publicado em chinês e chegou a outras partes da Ásia onde se tornou popular, como Tailândia e Hong Kong. A questão é que esta nova versão expandida inclui uma previsão que abalou o turismo japonês e colocou muitos viajantes da Ásia em alerta, especialmente os supersticiosos.
2025
A história em quadrinhos garante que "o verdadeiro desastre virá em julho de 2025" (ideia que já consta em sua própria capa) e inclui trechos como o seguinte: "Sonhei com um grande desastre. As águas do Oceano Pacífico ao sul do arquipélago japonês subirão". Tal profecia (claro) não tem respaldo científico, e a própria autora reconheceu em entrevista ao Mainichi Shimbun que as pessoas devem agir "levando em conta a opinião de especialistas"; mas isso não impediu que a influência do mangá (e sua profecia) se espalhasse.
Um pouco mais
Embora a história em quadrinhos de Tatsuki tenha desempenhado um papel determinante, não é a única coisa que explica por que o medo de um desastre natural atingiu (e alienou) parte dos turistas que planejavam viajar ao Japão este ano. A situação foi ampliada depois que um suposto "médium" japonês previu que um terremoto atingiria a Baía de Tóquio em 26 de abril (algo que evidentemente não aconteceu) e Qi Xian Yu, um mestre de feng shui com alguma repercussão na TV de Hong Kong, aconselhou as pessoas a ficarem longe do Japão.
Se somarmos a isso o alto-falante das redes sociais, temos o resultado que Tang comentou na CNN: "Todo mundo fala muito sobre um terremoto chegando". "É melhor evitar. Vai ser muito problemático se um terremoto acontecer", concorda Oscar Chu, outro viajante de Hong Kong, que costuma visitar o país do sol nascente várias vezes ao ano, mas decidiu repensar sua viagem para 2025.
Além das profecias
Previsões e profecias à parte, a verdade é que o Japão está localizado em uma área de especial atividade sísmica, o Círculo de Fogo do Pacífico, e nas últimas décadas sofreu terremotos como o que atingiu a região de Kanto em setembro de 1923, o terremoto de Hanshin-Awaji em 1995, o terremoto de Iwate-Miyagi Nairiku (2008) ou o de 2011, que causaram destruição especialmente no extremo norte do país. No início deste mesmo ano, sofreu outro na região sudoeste, embora com intensidade bem menor, de magnitude 6,9.
Há pouco tempo, o Japão emitiu outro alerta e o governo reconheceu que há uma alta probabilidade de que um terremoto abale a Fossa de Nankai (localizada ao sul de
país) nas próximas três décadas. Em meados de abril, até a embaixada chinesa incentivou seus viajantes a tomarem precauções. A realidade, como reconhecem as autoridades japonesas, é que "com o conhecimento atual, é difícil prever um terremoto especificando data, hora e local".
Como isso afetou o turismo?
Embora seja difícil prever terremotos, o clima de medo alimentado em grande parte pelo quadrinho de Tatsuki está se fazendo sentir no setor turístico japonês. Especialmente na demanda de outras partes da Ásia, como China, Tailândia ou Vietnã, mercados importantes para o país. A agência de viagens WWPKG, com sede em Hong Kong, disse à CNN que as reservas para visitar o Japão durante a Páscoa caíram pela metade. E as previsões para os próximos meses não são melhores.
A Greater Bay Airlines, companhia aérea de Hong Kong, optou diretamente por reduzir seus serviços com a região japonesa de Sendai e a cidade de Tokushima, ambas com redução de uma frequência semanal. O motivo: uma queda na demanda em meio a rumores de um desastre iminente no Japão, que aumentam a incerteza econômica gerada pela guerra tarifária iniciada pelos Estados Unidos.
Setor em plena expansão
A grande questão subjacente é como essa suspeita afetará o crescente setor turístico do Japão, que movimenta números históricos há algum tempo e gerou tensões até mesmo nos pontos mais movimentados, como os arredores do Monte Fuji ou as vielas das gueixas de Kyoto.
Em 2024, o país atingiu o recorde de 36 milhões de visitantes estrangeiros e, nos primeiros três meses de 2025, ultrapassou 10,5 milhões, levando alguns especialistas a estimar que chegará a 40 milhões este ano. Com esses números, há quem questione se o efeito das profecias pode realmente afetar o setor. Só em março, cerca de 343 mil turistas dos EUA visitaram o país, além de quase 68 mil canadenses e outros 85 mil australianos.
Imagem | Geoff Henson (Flickr)
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