Talvez a Disney só quisesse vender brinquedos mas, com a nova versão de Lilo & Stitch, acabou conseguindo algo que tenta (sem muito sucesso) há quase 30 anos

Stitch conquista o coração do público novamente: é assim que a Disney finalmente acerta em uma adaptação moderna que funciona sem trair seu clássico animado

Lilo e Stitch live action dias. Imagem: 3D Juegos
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
sofia-bedeschi

Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Sou um grande fã da versão original de Lilo e Stitch, que em 2002 me marcou bastante. Amo as decisões de design e reverencio os fundos pintados por artistas como William Silvers, Chris Greco, Andy Harkness, Peter Moehrle e Paul Felix. Adoro as camisas havaianas e tenho uma enorme simpatia musical por Elvis, e sempre considerei o filme um dos grandes clássicos da Disney.

Curiosamente, a sua adaptação para live-action nesta nova versão me agradou ainda mais, e olha que a estratégia comercial é evidente: a Disney quer vender muitos bichos de pelúcia e brinquedos do Stitch, e provavelmente vai conseguir, porque a criatura maldita é mais carismática do que muitas estrelas humanas do cinema atual.

Mas é que, além disso, eu acho que esta nova versão conseguiu algo que eu não esperava: ser a melhor adaptação de carne e osso de um dos filmes animados da Disney. Bom, junto com O Livro da Selva do Jon Favreau, que ainda me parece um filmaço injustamente ignorado.

Arrumando uma pequena bagunça de enredo

A versão animada original de Lilo e Stitch sempre me pareceu um tanto caótica em termos narrativos. Uma versão travessa e fácil de E.T. bastante mal narrada. E embora a história tivesse muito charme, sua estrutura deixava espaços confusos e desenvolvimentos de personagens pela metade, com um final salvo um pouco de qualquer jeito.

O filme de 2025 soube manter a essência, mas modificou detalhes importantes para dar coerência e força ao argumento. Uma boa revisão que corrige todos esses erros e mantém quase intacta a essência, potencializando seus pontos fortes, mas fazendo um pequeno sacrifício que me incomodou.

Na versão de 2025 de Lilo & Stitch, a história acompanha Lilo, uma garota havaiana solitária que adota Stitch, um experimento genético alienígena criado para causar caos e destruição.

À medida que Lilo e Stitch formam um laço especial, ambos aprendem sobre a importância da família, do amor e da aceitação, enquanto fogem de uma agência galáctica que busca capturar Stitch para eliminar sua ameaça.

O filme combina humor, aventura e valores familiares em um cenário visualmente vibrante inspirado na cultura havaiana. Como podem ver, nada de novo sob o sol das infamemente chamadas "Ilhas Sanduíche".

A introdução mais clara e linear de Stitch, a relação mais natural com Lilo e o desenvolvimento paralelo dos problemas familiares das protagonistas e do conflito com a agência galáctica que persegue Stitch, trazem um ritmo mais fluido. O início é muito mais rápido e o trabalho com os personagens, bem mais profundo.

Também ajustaram os personagens secundários para que a história respire e não dependa exclusivamente do carisma de Stitch, embora ninguém consiga ofuscar o peludo protagonista. Em suma, a narrativa é mais acessível e menos dispersa, o que é crucial para prender um público familiar, acostumado talvez a tramas mais limpas e dinâmicas.

Original

Um pequeno reajuste pessoal

Como eu dizia, Stitch continua sendo a estrela indiscutível. Nesta versão, o design do personagem é um prodígio técnico e artístico, pensado para conquistar o coração das crianças (e não tão crianças) de todo o mundo. Sua combinação de formas arredondadas, olhos expressivos e movimentos imprevisíveis o tornam um personagem impossível de não querer em casa.

Além disso, a dublagem e as animações conseguem um equilíbrio perfeito entre seu lado caótico e sua ternura escondida.

Quanto a Lilo, o filme fez pequenos reajustes em sua personalidade. Pessoalmente, prefiro a versão animada, que tinha uma aura um pouco mais contestadora e rebelde, mas no live-action optaram por torná-la um pouco mais real, sem perder sua essência sensível e única.

Isso contribui para que o público infantil a veja como uma referência próxima, mais do que como uma caricatura. A propósito, magnífica apresentação da jovenzíssima atriz Maia Kealoha.

Original

Dois eixos temáticos: simpatia infantil e estratégia comercial

O filme funciona com dois motores temáticos claramente identificáveis: primeiro, gerar empatia e diversão para as crianças, e segundo, construir um ímã para o merchandising. A Disney sabe o que faz e não esconde isso. O mecanismo é simples, mas eficaz: criam um personagem irresistivelmente adorável, o exibem em mil situações cômicas e fofas, e depois abrem o mercado para pelúcias, brinquedos, roupas e uma infinidade de produtos derivados.

Em mim, criou a necessidade de ter um Stitch fantasiado de Elvis, com suas lantejoulas e seu topete com costeleta. O que vou fazer?

As crianças vão se divertir muito com este filme, e os pais provavelmente vão se ver com vontade de dar de presente um desses bichinhos de pelúcia que já começam a encher as vitrines. Talvez nem tenham outra opção... Mas, para além dessa lógica comercial, o filme tem seu coração e replica os elementos que fizeram da versão original um clássico entre os pequenos.

Um dos pilares fundamentais tanto do filme original quanto desta nova versão é o conceito havaiano de "ohana", que significa "família" e enfatiza que ninguém fica para trás. É uma mensagem simples, mas poderosa, e a Disney soube transmiti-la com clareza e emoção, aproveitando a necessidade infantil de aceitação e refúgio no grupo: funciona com bebês elefantes e com crianças do mesmo jeito.

O sucesso de Lilo e Stitch reside em grande parte na criação de personagens memoráveis e distintos que funcionam graças ao seu realismo, porque as crianças mexem no nariz e grudam os "catarros" debaixo da mesa.

Daí que Lilo Pelekai seja uma criança autêntica, com defeitos e virtudes, que reflete a sensibilidade e o sentimento de incompreensão que muitas crianças experimentam.

Ela não é uma princesa perfeita nem uma heroína típica: é real e vulnerável, e isso a torna cativante.

Original

O reflexo do espírito livre infantil em Stitch

Stitch é um caso à parte. Não só por seu design original e reconhecível, mas porque encarna uma dualidade fascinante. Seu lado caótico e rebelde contrasta com uma ternura que desarma qualquer um. Esse equilíbrio o torna um personagem extremamente atraente para o público infantil, que pode se ver refletido em sua espontaneidade e travessuras.

Além do carisma, o Stitch representa para muitas crianças a possibilidade de quebrar as restrições que a rotina e as normas impostas pelos adultos costumam significar. Os pequenos veem nele um espelho de sua própria rebeldia e curiosidade natural: alguém que pode fazer travessuras, sair da linha estabelecida sem perder sua essência adorável.

Pode surpreender, mas é um recurso muito usado pela indústria de brinquedos e do entretenimento infantil: os próprios Masters do Universo, por exemplo, fizeram sucesso justamente entre as crianças dos anos 80 porque souberam explorar a ideia de fazer os garotos se sentirem poderosos.

O "eu tenho o poder" do He-Man não é só um lema cativante, é um mecanismo que reforça a personalidade dos garotos cada vez que o repetem e que os faz recriar um mundo imaginário ao real em que, curiosamente, seu poder e autoridade são bastante limitados.

No caso do Stitch, os pequenos podem ver na tela suas travessuras sem consequências reais. É uma representação de não seguir as normas impostas pelos adultos, de tensionar os limites que os mais velhos lhes impõem, tem algo de catártico.

Essa identificação com seu lado selvagem é fundamental para que as crianças se conectem emocionalmente com a história, porque lhes permite sonhar com a liberdade de explorar o mundo à sua maneira, valorizando a imperfeição e a espontaneidade próprias de sua idade.

Stitch é, de certo modo, a representação dessa energia livre e sem filtros que toda criança possui. E, além disso, é peludinho.

Original

Estratégias de marketing e legado

Para além do filme em si, a estratégia de marketing tem sido chave para que Lilo e Stitch permaneça no imaginário coletivo por quase três décadas. Desde a sua estreia, a Disney tem potencializado a franquia através de séries televisivas, merchandising e aparições em parques temáticos.

Essa constante exposição não só atraiu novas gerações, como também permitiu que pais que cresceram com o filme transmitissem esse carinho aos seus filhos, criando um legado intergeracional muito forte.

O filme de 2025 se insere dentro dessa lógica, renovando a franquia com uma visão fresca e moderna, mas respeitando o núcleo emotivo que tornou a história grandiosa.

Pode ser que a Disney só queira vender toneladas de pelúcias e camisetas com a cara do Stitch, mas o que ela conseguiu é muito mais valioso. Com todas as mudanças introduzidas, quase todos os personagens saem ganhando, especialmente Nani Pelekai (Sydney Agudong), a irmã mais velha da Lilo. 

Embora eu tenha que dizer que o crescimento dela como personagem anda de mãos dadas com uma certa incoerência em relação às suas próprias lições sobre responsabilidade, mas tudo bem...

Essa abordagem mais tridimensional faz com que o público infantil se identifique mais facilmente com eles, pois os personagens são humanos em sua vulnerabilidade e complexidade. Esse foco realista e honesto fomenta uma conexão mais profunda e duradoura com o filme.

Original

Creio firmemente que o filme de 2025 vai funcionar muito bem entre os mais pequenos, e que muitos adultos também vão gostar bastante. Eu não pude evitar rir várias vezes com as travessuras do Stitch e a tremenda personalidade da Lilo.

Mas o que realmente me chama a atenção é como a Disney demorou quase três décadas para acertar o ponto para recriar um de seus filmes animados clássicos em live-action. Algumas adaptações funcionaram razoavelmente bem, como Cinderela (2015) ou Mulan (2020), mas muitas outras foram incapazes de replicar a alma dos originais, caindo em um excesso visual ou em decisões criativas desconectadas de sua essência. Basta lembrar do polêmico

O Rei Leão de 2019, visualmente impactante, mas emocionalmente plano, ou o meme em que se tornou a recente e falha versão de Branca de Neve.

Diante desse cenário, Lilo e Stitch se destaca precisamente por saber quais elementos deve preservar do original, quais precisa atualizar e como fazer isso sem trair o espírito da história. 

Pode ser que, no fundo, a Disney só queira vender toneladas de pelúcias e camisetas com a cara do Stitch, mas o que ela conseguiu é muito mais valioso: devolver a este pequeno monstro azul e à sua família havaiana um lugar de honra no coração de uma nova geração.

A nova versão de Lilo e Stitch estreia nos cinemas hoje, dia 23 de maio, e se você quiser relembrar a versão animada original, basta procurá-la no Disney+.

Inicio