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Os EUA encontraram a receita para o avanço nuclear da China e da Rússia; chama-se Projeto 25 e reintroduz uma bomba do passado: B83

Entre as principais linhas do projeto traçado pelos republicanos, rearmamento nuclear é um retorno ao passado

Bomba pode retornar para contexto militar moderno | Kelly Michals
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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

Nas eleições americanas, a "questão nuclear" foi um assunto recorrente. Trump terá que enfrentar um cenário complexo, com tensões crescentes e prazos iminentes para tratados importantes. A Rússia suspendeu as inspeções do Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START), que limita as ogivas nucleares implantadas a 1.550, e sua renovação deve ocorrer em 2026 para evitar uma corrida armamentista. Além disso, o acordo internacional com o Irã expira em 2025, deixando aberta a possibilidade de o país desenvolver armas nucleares. E há a China, que pode dobrar seu arsenal nuclear até 2030, segundo o Pentágono. Os Estados Unidos já sabem o que fazer.

Projeto 25

Sob esse pseudônimo se esconde uma iniciativa desenvolvida pela Heritage Foundation e um grupo de ex-funcionários do governo Trump para servir como roteiro político. O plano propõe medidas radicais para reformar várias áreas do governo dos EUA, com foco proeminente em políticas militares e de segurança nacional e, muito importante, incluindo a expansão do arsenal nuclear do país.

Entre suas propostas, como veremos, está a retomada dos testes nucleares, o desenvolvimento de novas armas e a modernização do programa nuclear, desafiando tratados internacionais como o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT, do inglês Comprehensive Nuclear Test Ban). Sua abordagem busca posicionar a nação em "pé de guerra" contra potências como China e Rússia, com forte ênfase no aumento das capacidades militares, enquanto reduz iniciativas relacionadas à não proliferação e outras áreas não nucleares. Vamos ver o que mais isso implica.

Agora é hora de rearmar

Todas as indicações são de que, após décadas de desmantelamento de armas nucleares, o mundo está enfrentando uma nova corrida armamentista. Os Estados Unidos, a Rússia e a China estão desenvolvendo e expandindo seus arsenais. A Rússia testa mísseis de cruzeiro nucleares avançados, a China constroi silos para mísseis balísticos intercontinentais e os Estados Unidos, talvez os mais atrasados, planejam gastar cerca de US$ 2 trilhões (R$ 12,2 trilhões) para modernizar sua capacidade nuclear.

Nesse cenário, o Projeto 2025, apoiado por setores conservadores e vinculado ao governo Trump desde antes das eleições, busca posicionar a infraestrutura nuclear dos EUA no chamado "pé de guerra", aumentando a produção, diversificando o arsenal e reintroduzindo os testes nucleares.

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O projeto por dentro

Nesse sentido, o programa propõe medidas como a produção acelerada de núcleos de plutônio, o desenvolvimento de novas armas e algo que os mais antigos certamente reconhecem: o retorno da bomba nuclear B83, 80 vezes mais potente que a de Hiroshima, junto com a retomada dos testes nucleares, suspensos desde 1992.

E tem mais. Também buscam cortar verbas para pesquisas não nucleares em laboratórios como Los Alamos para direcioná-las para projetos de armas. Além disso, e embora alguns especialistas considerem que os testes são desnecessários devido aos modelos computacionais avançados disponíveis, o Projeto 2025 insiste em se preparar para realizar testes de armas ou testes dentro de seis meses, se necessário.

Razões econômicas

Não há dúvidas de que, ao contrário da Guerra Fria, onde a ideologia parecia guiar a expansão nuclear, a nova corrida armamentista é movida por números concretos: contratos lucrativos para empreiteiros de defesa. Essas empresas influenciaram significativamente a agenda política, financiando estudos que justificam o rearmamento e fazendo lobby em Washington por meio de lobistas e contribuições políticas.

Programas como o sistema Sentinel, que inclui a construção de novos silos de mísseis, não só aumentarão o arsenal nuclear, mas enriquecerão um pequeno grupo de corporações.

E a geopolítica?

É a outra faceta da questão a ser abordada. Em primeiro lugar, o Projeto 2025 propõe rejeitar o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT), o mesmo que a Rússia já renunciou em 2023. Isso poderia desencadear uma cascata de testes nucleares em outros países, como China e Coreia do Norte, intensificando a corrida armamentista. Além disso, o tratado New START, o último acordo de controle nuclear entre Rússia e Estados Unidos, expira em 2026. O governo Trump, segundo especialistas, não priorizará sua renovação, o que agravaria a competição nuclear.

Por último, mas não menos importante, todos esses possíveis testes nucleares e o uso potencial, esperançosamente improvável, de armas modernas teriam consequências catastróficas. Um estudo de 2022 na Nature estimou que um conflito nuclear entre Estados Unidos e Rússia poderia matar 5 bilhões de pessoas, principalmente devido ao impacto na produção de alimentos. Como se não bastasse, os resíduos nucleares gerados por novos testes aumentariam a poluição global.

Críticas e desafios

Muitos. Especialistas como Joseph Cirincione e Sharon Squassoni alertaram para os perigos desta abordagem que nos traz de volta à estaca zero, desde o início do século passado. Eles argumentam que o acúmulo de armas não aumenta a segurança global, mas, pelo contrário, fomenta a desestabilização. Além disso, as propostas do Projeto 2025 enfrentam o desafio de renovar as instalações de testes em Nevada, um processo que pode levar anos.

"Ferida" do passado

A maioria dos especialistas que soaram o alarme lembra do passado mais ou menos recente. Entre 1946 e 1958, os Estados Unidos realizaram 67 testes nucleares nas Ilhas Marshall, incluindo o devastador teste da Operação Bravo em 1954, a explosão mais poderosa da história americana, mil vezes maior que a bomba de Hiroshima.

Esses testes deixaram um legado de destruição conhecido como "Ferida Nuclear". Terras e oceanos contaminados, comunidades deslocadas e gerações afetadas por doenças relacionadas à radiação. Os efeitos devastadores desses testes ainda perduram no meio ambiente e na memória coletiva dos habitantes das ilhas do Pacífico e dos soldados americanos expostos às explosões.

Por todas essas razões, a proposta do Projeto 2025 de retomar os testes nucleares não só parece um retrocesso perigoso, mas, de certa forma, uma traição ao progresso feito no desarmamento e na diplomacia nuclear.

Imagem | Kelly Michals

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