Fogo contra fogo: brigadistas, quilombolas e indígenas tacam fogo no cerrado para evitar incêndios desastrosos

Manejo Integrado do Fogo é uma técnica eficaz para evitar incêndios florestais no Cerrado

Incêndio no Cerrado. Créditos: Lucas Ninno/GettyImages
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Laura Vieira

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Laura Vieira

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Jornalista recém-formada, com experiência no Tribunal de Justiça, Alerj, jornal O Dia e como redatora em sites sobre pets e gastronomia. Gosta de ler, assistir filmes e séries e já passou boas horas construindo casas no The Sims.

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“Olho por olho, dente por dente” é um ditado geralmente associado aos perigos da vingança, de devolver na mesma moeda aquilo que foi recebido. Mas, quando falamos de natureza, esse ditado ganha um novo sentido: às vezes, para impedir que o fogo destrua tudo, é preciso responder com mais fogo.

E é exatamente essa lógica que vem transformando o Cerrado. Brigadistas, comunidades quilombolas e povos indígenas aplicam queimadas cuidadosamente planejadas para reduzir o acúmulo de capim seco e criar barreiras naturais contra os grandes incêndios que são comuns no auge da seca. A prática, adotada há séculos por comunidades tradicionais, agora é reconhecida oficialmente por órgãos ambientais e têm reduzido drasticamente o tamanho e a intensidade dos incêndios em regiões do Jalapão, no Tocantins. 

Fogo combatido com fogo: entenda como funciona a prática e porque ela é benéfica para a natureza

Combater fogo com mais fogo pode parecer uma tática pouco segura, mas por incrível que pareça, ela pode trazer uma série de benefícios para a natureza. A técnica consiste em realizar queimadas de baixa intensidade durante o início da estação seca, quando o clima ainda permite controlar a propagação das chamas. O objetivo não é destruir a vegetação, mas eliminar o excesso de capim seco, que funciona como se fosse um “combustível” que alimenta os incêndios gigantescos que surgem na natureza.

Quando o capim é queimado de forma planejada, a área fica protegida por até dois anos. Nesse tempo, a vegetação se recupera verde, úmida e resistente ao fogo, funcionando como uma espécie de barreira natural contra incêndios de grande escala. Além disso, as queimadas controladas criam um mosaico de áreas em diferentes fases de regeneração, o que favorece as espécies que dependem do fogo e também aquelas que preferem zonas menos afetadas.

Como o fogo usado é leve, os animais conseguem fugir com facilidade. Algumas espécies de árvores são adaptadas às chamas e resistem a chamas mais fracas devido à casca grossa típica do Cerrado, e muitas sementes só germinam após o calor das chamas. A emissão de fumaça também é menor do que a produzida por incêndios descontrolados, que queimam tudo de uma vez, geram calor extremo e matam a vegetação e os animais. 

Comunidades quilombolas e indígenas sempre utilizaram essa técnica para evitar incêndios florestais

Muito antes de ser reconhecida pelo governo, a prática já fazia parte de quilombolas e povos indígenas que habitam o Cerrado. Nessas comunidades, o fogo é visto como uma ferramenta de cuidado da natureza, não de destruição. Ele é usado para renovar pastagens e preparar o solo.

Quando a política de “fogo zero” foi imposta por órgãos ambientais nos anos 2000, muitas dessas comunidades alertaram que a medida poderia trazer mais risco do que segurança. Sem as queimadas planejadas, o capim passou a se acumular em grandes quantidades, e quando um incêndio começava, era difícil deter. O resultado foram os incêndios devastadores que consumiram extensões enormes do Cerrado, matando a fauna, flora e colocando vidas em perigo. 

Com o reconhecimento do Manejo Integrado do Fogo em 2024, quilombolas e indígenas voltaram a utilizar essa prática. Hoje, esse conhecimento preservado por gerações está sendo integrado às estratégias de conservação e sendo utilizado pelos brigadistas.

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