Em 2008, a China instalou estações de metrô no meio do nada; em 2025, descobrimos o porquê

A China inverteu a lógica habitual do Ocidente: não se constrói o metrô porque já existe uma cidade, e sim para que ela surja ao redor

Metrô na China / Imagens: Luke Pusateri, Lanzhou Government Bulletin System, Unusual Places
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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Nas últimas semanas, circulou um vídeo que demonstra que, quando se trata de construir, a China está muito à frente. De fato, algo fascinante acontece em Pequim: é possível encontrar uma entrada de metrô vazia em meio a um lugar sem qualquer desenvolvimento — um terreno baldio. Mas a realidade é outra, porque, se você voltar ao mesmo local alguns anos depois, a imagem estará completamente diferente.

Sim, a China é especialista em planejamento de longo prazo.

Décadas de antecedência

A expansão urbana chinesa dos últimos vinte anos consolidou uma característica estrutural: a infraestrutura (em especial o metrô) é construída antes mesmo de existir a cidade que ela vai atender. Esse avanço deliberado cria uma fase visível de “vazio”: estações enterradas em terrenos baldios, acessos cercados por mato, sem ruas nem comércio, e plataformas profundas e desertas sob solos sem moradores.

No entanto, para o Estado chinês, essa fase não é uma falha, mas um estado transitório dentro de um horizonte de 10 a 20 anos, no qual a infraestrutura vem primeiro para induzir e consolidar o desenvolvimento que virá. As chamadas “cidades fantasmas” (de Lanzhou New Area a Xiongan) são menos um sintoma de erro do que um quadro intermediário de um roteiro de longo prazo que parte do princípio de que a urbanização é inevitável, ainda que sua sequência seja assimétrica: primeiro o metrô, depois as pessoas.

Dados de um estudo de Wuhan mostram que o simples fato de haver uma estação de metrô por perto faz com que o valor dos imóveis comerciais aumente significativamente em um raio de até 400 metros — mesmo que ainda não exista uma cidade ao redor. A linha funciona como uma prova de futuro que pode ser monetizada.

Em grande escala, o governo lançou, a partir de 2008, uma onda de novas cidades e redes (milhares de quilômetros de metrô em poucos anos) que reduziram o tráfego e atraíram investimentos. No entanto, esse traçado antecipado nem sempre veio acompanhado de escolas, hospitais ou boas conexões no trecho final, o que dificultou que as pessoas deixassem os centros superlotados e prolongou a fase em que as novas áreas ficavam vazias. A infraestrutura chegou primeiro, mas a cidade demorou mais para aparecer.

O caso de Chongqing

Chongqing: primeiro veio a estação, depois a cidade

Caojiawan, a “estação no meio do nada”, condensou essa tese em uma imagem: acessos escondidos entre a vegetação, sem ruas nem moradores, observação constante do mundo virtual e funcionários reconhecendo o uso mínimo “por enquanto”, com o argumento central do planejamento — a via antecipava o bairro.

Chongqing reforça esse padrão com sua engenharia em profundidade (Hongtudi, com mais de 60 metros e expansão para mais de 94), a conexão intermodal extrema e o excesso de investimento em topologia antes mesmo da demanda. Em escala urbana, o mesmo padrão se repete em sua rede de viadutos e linhas: infraestrutura radicalmente antecipada para induzir trajetórias urbanas futuras.

Mapa da Lanzhou New Area

A Lanzhou New Area, com montanhas arrasadas, zonas francas, lagos artificiais e réplicas de monumentos, passou primeiro por anos de silêncio e depois por um despertar lento, com a chegada de moradores aos poucos — embora ainda haja dúvidas sobre os números.

Os urbanistas que acompanharam sua evolução afirmam que chamar de “cidade fantasma” é confundir uma fase com o destino final: esses projetos são concebidos para 15 a 20 anos, não para serem avaliados em 3 ou 5. Em outras palavras, o governo não constrói para o presente, mas para o momento em que o transporte estiver conectado, a densidade estiver consolidada e a população atingir certo patamar. Sob essa ótica, o vazio inicial não contraria o plano — ele simplesmente faz parte do cronograma previsto.

Entre ambição e sustentabilidade

Segundo a Bloomberg, o modelo tem um custo: a maioria dos sistemas de metrô não é rentável, aumentam a dívida dos governos locais e há o risco de construir mais do que o necessário em cidades médias. A autoridade nacional primeiro afrouxou os requisitos (exigindo menos população para autorizar novas linhas) e depois voltou a endurecê-los e a suspender projetos, ao perceber que o que ajuda a criar valor também pode afundar as finanças.

Vários analistas apontaram que, em muitos lugares, o metrô foi escolhido “por inércia”, quando soluções como um bom sistema de ônibus em faixas exclusivas poderiam ter oferecido quase o mesmo resultado com muito menos endividamento. O dilema já não é se haverá redes extensas (porque elas já existem), mas sim em que ponto investir antecipadamente deixa de ser uma aposta e passa a ser um fardo.

Uma vez construída a rede física, o problema principal deixa de ser cavar túneis e passa a ser fazer com que tudo funcione bem. Há muitas estações com apenas uma entrada, que acabam congestionando; conexões longas e mal planejadas; falta de grandes pontos de integração entre linhas; e ausência de vias preparadas para trens rápidos que ultrapassem os lentos, porque essas decisões não foram pensadas desde o início.

A mesma lógica de “primeiro construímos e depois veremos” agora gera problemas de circulação, segurança, acessibilidade e resposta a chuvas extremas, como mostra o caso de Zhengzhou. Segundo o The Guardian, para passar de “construir rápido” para “funcionar bem”, é necessário redesenhar pensando na experiência do passageiro, e não apenas na do engenheiro da obra.

A estratégia temporal

Em resumo, a China transformou em norma uma ideia que inverte a lógica habitual do Ocidente: não se constrói o metrô porque já existe uma cidade, mas para que a cidade venha a existir depois. As entradas de estação atualmente vazias são, segundo essa lógica, o primeiro passo material dos bairros futuros, dentro de um plano que considera prazos longos e aceita períodos de vazio como parte do custo de impulsionar a urbanização.

O risco está no custo financeiro e na transição de “construir” para “fazer funcionar”, mas a vantagem é poder capturar valor e moldar a cidade com antecedência. O que hoje parece um excesso improdutivo, em um horizonte de vinte anos, é apenas a primeira fase.

Imagem | Luke Pusateri, Lanzhou Government Bulletin System, Unusual Places

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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