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Ódio a turistas na Galícia está atingindo espanhóis de outras partes do país

O negócio gerou polêmica ao fechar para evitar turistas e se declarar um "espaço livre de farofeiros".

Odio A Turistas Na Galicia
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Puerto Martina é um bar em Mera, Oleiros, uma pequena localidade da província de A Coruña, com menos de 38.000 habitantes. No entanto, ele gerou um impacto midiático tão grande que se fez sentir além da Galícia e da Espanha.

A polêmica foi tamanha que até mesmo um repórter do The Guardian se viu na posição de explicar aos londrinos o que significa "fodechinchos", uma expressão das Rías Baixas que, apesar de difícil de traduzir, carrega uma série de nuances. Todos, é claro, com conotação negativa.

No centro desse furacão está uma mensagem compartilhada pelos responsáveis do Puerto Martina, na qual anunciaram sua decisão de fechar o bar em pleno agosto, uma das épocas de maior movimento para a hospitalidade, com o objetivo de evitar a clientela de fora que costuma chegar no verão.

A mensagem é chocante, mas, acima de tudo, indica o quanto, em meio ao debate sobre a superlotação turística e o recorde de visitantes estrangeiros na Espanha, o turismo doméstico ainda representa um desafio. E o menor deles.

"Não nos enriquece, nos empobrece."

Turistas Na Galicia

Para entender o que aconteceu, é preciso voltar ao dia 6 de agosto, quando a conta O Kan de Mera publicou uma mensagem surpreendente no Facebook.

Tanto pelo conteúdo quanto pela forma. Nela, explicava-se que o bar Puerto Martina permaneceria fechado entre os dias 12 e 19, coincidindo com o feriado da Assunção, uma das épocas do ano com maior movimentação turística nas Rías Altas, com visitantes do resto do país, especialmente de Madrid, de onde vêm milhares de famílias para passar o verão na Galícia.

Até aí, nada de estranho. Ou, pelo menos, nada excepcional. O surpreendente foi quando O Kan de Mera explicou o motivo pelo qual o bar de Oleiros fecharia durante uma semana em que, a princípio, se esperaria uma boa receita.

"Diante da iminente chegada do feriado de 15 de agosto, quando se cair uma bomba em Mera não sobra um tolo na Meseta, decidimos fechar de 12 a 19", explicava O Kan de Mera, antes de detalhar o cansaço provocado pelos clientes que chegam à cidade durante o verão: "Estamos cansados da prepotência dessas pessoas e não queremos desvirtuar o projeto".

Especificamente, os donos do bar reclamavam de clientes que pedem "dois Barceló-Cola e quatro copos", exigem petiscos até com o café ou criticam o cardápio do local. Caso a mensagem não fosse clara o suficiente, alguns dias depois, María, a responsável pelo negócio, explicou ao El Español que a intenção era evitar a enxurrada de turistas esperada para o feriado. O jornal inclusive mencionou que o bar estava "cansado dos madrilenos".

"Não nos enriquece, nos empobrece", afirmava a proprietária. "Economicamente nos traz pouco, mas fisicamente nos desgasta".

O motivo?

Clientes que chegam ao bar com "arrogância, exigências, pedidos que não são normais, má educação e, de vez em quando, um insulto xenófobo ao pessoal que não é espanhol", continuava María, que insistia na mesma ideia: um "turismo desgastante", que também não traz grandes benefícios econômicos agora que, segundo ela, as famílias saem de férias com orçamentos apertados.

O discurso de María e do Puerto Martina rapidamente se viralizou, ganhando destaque em veículos de alcance nacional como Cadena SER, La Sexta, 20 Minutos e El Periódico. Agora, com a tempestade midiática ainda reverberando e após o fim do feriado de 15 de agosto, o bar decidiu reacender a polêmica. Como? Reabriu após suas breves férias com um cartaz na entrada, reforçando a mensagem inicial, mas desta vez de forma ainda mais contundente:

"Você está entrando em um espaço livre de fodechinchos."

A questão, como Stephen Burger tentava explicar aos leitores do The Guardian, é: O que diabos é isso de 'fodechinchos'?  A resposta é interessante porque não se trata apenas do que acontece no pequeno bar familiar de Oleiros. O termo vai além e revela que as tensões que o turismo está gerando na Espanha não se explicam apenas pelo recorde de visitantes estrangeiros, mas também por um fluxo muito mais intenso: o turismo doméstico.

Na Galícia, por exemplo, o INE registrou no ano passado 4,7 milhões de turistas hospedados em hotéis. Desses, apenas 1,3 milhão eram estrangeiros.

A grande maioria, 3,4 milhões, eram espanhóis. Em um país onde o "anti-turismo" ganha força no debate público, com destinos como as Canárias, Maiorca e Barcelona rejeitando a massificação sem controle, as tensões em torno do turismo doméstico tendem a ser ofuscadas. O bar de Oleiros nos lembra disso claramente.

Fodechinchos  é, de fato, uma expressão que demonstra bem a situação.

Diz-se que o termo nasceu nas Rías Baixas e foi criado para se referir a um tipo específico de turista: aqueles que, quando os pescadores galegos recolhiam as redes de pesca de carapaus, vinham para pegar algum peixe solto. O que começou como um gesto amigável dos pescadores acabou evoluindo para visitantes chegando com baldes para pegar peixe de graça.

Literalmente, a expressão é a combinação de "fode" (jode) e "chincho", como o pequeno carapau é chamado na Galícia. O The Guardian traduziu como "Fish thieves”  (ladrões de peixe).

Com o tempo, o uso da expressão se espalhou pela comunidade e ganhou novos matizes. Hoje, costuma-se usar para designar qualquer turista que se comporta de forma arrogante e não respeita as tradições da Galícia.

Embora possa ser usado para qualquer turista, geralmente está associado aos que vêm de Madrid, algo que não é surpreendente, considerando o grande peso da cidade no turismo galego: sem contar com o mercado interno, entre cidades galegas, Madrid é o principal ponto de origem dos turistas que visitam a região.

O significado da expressão "fodechinchos" vai muito além da fome por carapaus ou qualquer outro peixe das rias galegas. Trata-se, na verdade, de uma questão de atitude, comportamento e respeito.

"O que é um fodechincho?

Aquele a quem os vigilantes dizem para não entrar no mar porque a maré está baixa, e ele entra mesmo assim. E quando o vigilante o repreende, ele fica irritado", explica o politólogo Abel Losada no X (Twitter). "Fodechinchos é aquele a quem você diz 'não pode subir nessas dunas, elas estão protegidas', e ele sobe de qualquer forma porque quer ver a praia. Fodechinchos é aquele que te ouve falar no idioma que você fala desde pequeno e acha ruim."

Imagens | Joaomrt (Flickr) e John Hayes (Flickr)

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