Existem muitos motivos para beber café. Por um lado, temos o impulso de energia que uma xícara de café nos proporciona devido ao seu conteúdo de cafeína. Por outro, os benefícios para a saúde, algo que está sendo cada vez mais estudado e, ao derrubar mitos, nos permite entender sua influência em órgãos como os rins. E, evidentemente, há também o ritual de preparar o café — aqueles cinco ou dez minutos de paz mental em que estamos focados apenas na preparação.
No entanto, aos cafés tradicionais e às variedades especiais, em breve pode ser necessário adicionar um novo tipo de café: o café sem... café.
O motivo é que há empresas desenvolvendo esse café sem o grão, o que pode não apenas revolucionar a xícara diária, mas também impactar o meio ambiente e a própria indústria cafeeira.
Café alternativo
Nos últimos anos, alternativas aos alimentos tradicionais se tornaram populares. Temos o peixe sem peixe e a carne sem carne, ideais tanto para dietas veganas e vegetarianas quanto para aqueles com alergias ou intolerâncias. E, nesse mesmo cenário, está o café. A Atomo Coffee, uma startup, está há alguns anos tentando criar um café que, na verdade, não é café.
Em uma entrevista à Bloomberg em 2001, seus cofundadores afirmaram que gostavam de se ver como "a Tesla do café" e, basicamente, o que eles combinavam eram cascas de sementes de girassol e sementes de melancia, submetidas a um processo químico para produzir moléculas que imitam tanto o sabor quanto a sensação do café na boca. E com cafeína adicionada, claro.
Café em risco de extinção?
É fácil entender por que existem substitutos para produtos de origem animal, adoçantes alternativos e produtos lácteos sem lactose, mas... por que criar um café sem café?
Há alguns anos, surgiram relatórios que indicavam que 60% das variedades de café estavam em risco de extinção. Embora essa informação seja verdadeira, também foi alarmista. Isso porque esses 60% se referem ao café silvestre, que não é o que normalmente consumimos.
As variedades arábica e robusta são as mais populares (e por uma larga margem), sendo as mais cultivadas e não estão em extinção. Embora seja verdade que as mudanças climáticas podem deslocar as áreas de cultivo de café (como já estamos vendo na Europa), o café "tradicional" não está em risco de extinção. Pelo menos, por enquanto.
Preocupação com o meio ambiente
Embora a Atomo defenda motivos ambientais para o seu produto, como a economia de água e a redução das emissões poluentes na indústria do café, existe um problema inerente ao café: o desmatamento. Atualmente, isso é algo mais regulamentado —em alguns países—, mas em algumas grandes plantações, especialmente nas que não são de café de especialidade, o desmatamento tem avançado para dar lugar às plantações.
Um relatório da ONU concluiu que, desde 1990, o mundo perdeu 178 milhões de hectares de floresta, o equivalente a 3,5 vezes a área da Espanha, com um ritmo de perda de cerca de 10 milhões de hectares por ano. Esse desmatamento não ocorre apenas por causa do cultivo de café, mas o café está contribuindo para essa perda de florestas. Nas plantações de especialidade, onde o café cresce à sombra das árvores, isso não é um problema, mas no cultivo de café mais comercial, sim, é uma preocupação.
O processo
Andy Kleitsch e Jarret Stopforth (cofundadores da Atomo) afirmam que o resultado final é uma xícara de café comum, indistinguível de um café verdadeiro a olho nu. Isso é uma vantagem, claro. Outra é que, segundo a Atomo Coffee, a produção desse café sem grão gerou 93% menos emissões de poluentes e utilizou 94% menos água do que a produção de café tradicional. A receita não é algo simples de replicar em casa:
- As sementes de azofaito (uma fruta espanhola) são moídas em pedaços bem pequenos.
- Depois, elas ficam de molho em uma mistura secreta com frutose, sementes de girassol, sementes de ramão, proteína de ervilha, limão, goiaba, sementes de feno-grego e bicarbonato de sódio, entre outros ingredientes. Sim, são muitos ingredientes.
- Após algum tempo, a mistura é seca e diferentes níveis de calor são aplicados para criar sabores e aromas variados, como no processo de torrefação.
- Ingredientes adicionais são misturados —eles não especificam quais— e, por fim, é adicionada a cafeína sintética para que o teor de cafeína seja semelhante ao do café convencional.
Mas e o sabor?
Como a ciência não acontece sozinha, a equipe da BBC experimentou esse café sem café. Na fórmula mais atual, a Atomo usa sementes de azofaito, extrato de sementes de girassol e a onipresente proteína de ervilha. O resultado, segundo a jornalista Joey Corbin, que provou essa versão de café, é que "o sabor se assemelha ao de um bom café, no geral."
Isso, na verdade, não nos diz muito, mas uma coisa é evidente: não se trata de uma ideia maluca de dois empresários, e sim de uma indústria em crescimento. E o melhor é que não é necessário ter uma máquina especial, já que o café foi pensado para funcionar em máquinas com pressão entre 9 e 12 bares.
Uma indústria em ascensão
Na Europa, também há entusiastas do café sem café. Um exemplo é a startup holandesa Northern Wonder, que já comercializa seu produto em supermercados na Holanda e na Suíça. Eles usam ingredientes como tremoço, grão-de-bico, cevada e chicória, entre outros, embora a receita exata ainda seja mantida em segredo.
Além disso, as matérias-primas podem variar à medida que experimentam novos sabores. Outras empresas, como a Prefer, de Singapura, e a Minus, de São Francisco, também utilizam diferentes ingredientes e métodos. Inclusive, há uma possibilidade aberta para o café cultivado em laboratório. Nesse processo, células extraídas das plantas de café são cultivadas, fermentadas e torradas para produzir diretamente uma bebida pronta. No entanto, o "café celular" ainda está em fase de pesquisa e desenvolvimento.
Críticas e desafios
Atomo, com suas instalações na Califórnia e Seattle, produz cerca de 1.800 toneladas por ano.
Em comparação, a Starbucks compra aproximadamente 362.873.896 toneladas anualmente. Se o café de laboratório ou o café sem café se popularizar, há um temor de que as grandes e pequenas plantações sofram uma crise devido à diminuição da demanda. No entanto, tudo vai depender de como a população aceitará essa nova versão de café, já que não se trata apenas do sabor, mas também das suas propriedades para a saúde.
Além disso, o aroma do café recém-passado, algo tão característico, ainda não foi completamente reproduzido, conforme observado pela repórter da BBC. Atomo e Northern Wonder estão em busca de parceiros e investidores na indústria do café, já que sua produção ainda é limitada e comercializada em locais exclusivos.
Por exemplo, o café de Atomo pode ser encontrado em algumas cafeterias, ao preço de 20,99 dólares por meio quilo, valor um pouco superior aos 10-14 dólares cobrados pela mesma quantidade de café em uma cafeteria comum nos Estados Unidos.
A Atomo está otimista
Diante das mudanças climáticas, a empresa afirma que "todos os grandes produtores de café enfrentarão problemas de disponibilidade nos próximos 20 ou 30 anos". Por isso, eles estão tentando se antecipar à demanda futura das grandes empresas de café. Agora, só nos resta acompanhar e ver se essa nova mistura realmente vai ganhar espaço no mercado.
Imagem | Atomo
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