Embora, de um tempo para cá, os drones pareçam estar associados à maquinaria bélica dos diferentes conflitos no planeta, a verdade é que sua utilidade sempre foi ambicionada muito além dos campos de batalha. Esses dispositivos poderiam ser a solução para muitos dos problemas das grandes cidades, mas têm vários "poréns", e um em particular.
Acontece que a solução pode ter estado guardada em um caderno durante séculos.
Leonardo e um dilema “moderno”
O gênio de Leonardo da Vinci, embora limitado pela tecnologia de sua época, parece ter voltado a ganhar relevância cinco séculos depois. Seus cadernos, repletos de esquemas visionários, incluíam o célebre “parafuso aéreo”, um design helicoidal concebido como máquina voadora que, embora nunca tenha sido construído nem viável com os recursos do Renascimento, já representava uma ideia primitiva de hélice geradora de sustentação.
Agora, um estudo da Universidade Johns Hopkins, disponível no arXiv e ainda pendente de revisão por pares, aponta que esse mecanismo poderia resolver um dos problemas mais sérios dos drones atuais: o ruído excessivo.
Um problema contemporâneo
Os drones, sem dúvida, tornaram-se uma ferramenta onipresente: são usados em resgates no Himalaia, em experimentos ambientais em ilhas do Pacífico, em missões militares, artísticas ou até recreativas. No entanto, a sociedade começa a percebê-los como uma fonte crescente de poluição sonora.
Um relatório de 2021 já alertava que o barulho dos drones não apenas iguala, como também é mais incômodo que o do tráfego ou da aviação convencional. O problema não é apenas a intensidade sonora, mas a qualidade das frequências que produzem: tons agudos, sinusoidais e persistentes, que reverberam no solo e amplificam seu efeito irritante.
Pesquisas paralelas exploraram materiais metamórficos capazes de absorver até 94% do ruído, mas o grande desafio continua sendo repensar a própria hélice.
Inspiração renascentista
É aqui que os pesquisadores liderados por Suryansh Prakhar voltaram o olhar para Leonardo. Aquele parafuso aéreo, possivelmente inspirado no princípio do parafuso de Arquimedes, foi modelado em três dimensões por meio de CAD e submetido a simulações numéricas para avaliar seu desempenho em comparação aos rotores convencionais de duas pás.
Embora, em sua concepção original, devesse ser impulsionado por homens correndo ao redor de um eixo (o que o tornava inviável em sua época), sua geometria helicoidal mostrou-se surpreendentemente promissora. O modelo modernizado, baseado no design Elico da Universidade de Maryland em 2020, mostrou que o parafuso aéreo não apenas era capaz de gerar sustentação, como também apresentava vantagens acústicas e de eficiência energética.
Veredito da ciência
Os resultados indicaram que, para uma mesma carga de elevação, o parafuso aéreo requer menos potência mecânica e produz menos ruído do que uma hélice convencional. Sua maior superfície de contato com o ar permite que ele gire mais lentamente, reduzindo a turbulência e emitindo sons de frequência mais baixa, menos irritantes e de rápida dissipação.
Na prática, o design de Leonardo não superaria as hélices modernas em capacidade absoluta de empuxo nem em otimização de desempenho, mas oferece um caminho concreto para solucionar o problema do ruído em áreas urbanas densamente povoadas, onde a aceitação social dos drones ainda é limitada.
Lições do passado
O estudo não propõe substituir de imediato os rotores atuais, mas indica que geometrias não convencionais, inspiradas em ideias tão antigas quanto as de Da Vinci, podem abrir caminhos para drones mais silenciosos e sustentáveis. A ironia é clara: séculos de pesquisa aeroespacial não haviam considerado seriamente essa forma helicoidal, e agora a ciência reconhece que um esboço do século XV pode conter pistas úteis para a engenharia do século XXI.
Nas palavras de Prakhar, o objetivo é continuar explorando configurações tradicionais, experimentais e biomiméticas para aprimorar a aerodinâmica e a aeroacústica dos drones. No fim das contas, mais do que provar que Leonardo “inventou o drone moderno”, a pesquisa valida seu talento para pensar de forma radicalmente diferente, lembrando que o progresso tecnológico nem sempre avança em linha reta e que, às vezes, o futuro precisa do passado para encontrar respostas.
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