Já vimos drones fazendo de tudo na Ucrânia, mas isso é novidade: eles estão chegando perdidos em países não envolvidos na guerra

O pano de fundo do incidente é a corrida acelerada entre Kiev e Moscou para implantar armas de longo alcance

Imagem | ERR, Google Earth
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Fabrício Mainenti

Redator

Na guerra na Ucrânia, vimos drones lançando drones para abater outros drones, enxames de drones detendo e capturando recrutas, e até drones agindo praticamente por conta própria graças à IA. Mas o que não tínhamos visto até agora é um drone se perdendo e, eventualmente, viajando até um país fora do conflito para causar impacto.

Um drone na Estônia

Sim, a guerra na Ucrânia cruzou fronteiras de maneiras perturbadoras. Na Estônia, a cerca de 80 quilômetros da fronteira com a Rússia, um agricultor encontrou os restos de um drone de ataque ucraniano que desviou do alvo e explodiu em seu campo, sem causar ferimentos ou danos graves.

Segundo as autoridades de segurança interna do país báltico, tudo indica que a aeronave, que pretendia atacar instalações russas em São Petersburgo, foi desviada pelas intensas operações de guerra eletrônica e pelo poderoso bloqueio de GPS que Moscou emprega sistematicamente na região da fronteira. O incidente marca a primeira entrada conhecida de um drone ucraniano no território de um país não beligerante desde 2022, ressaltando a fragilidade das fronteiras aéreas europeias diante do impasse tecnológico entre os dois lados.

Uma vulnerabilidade e guerra eletrônica

A diretora do serviço de segurança da Estônia, Margo Palloson, explicou que a aeronave caiu no meio da noite, desviando-se de sua rota pretendida devido às contramedidas russas de spoofing e jamming.

O Ministro da Defesa, Hanno Pevkur, insistiu que esses incidentes não são isolados: drones ucranianos começaram a pousar na Lituânia e na Letônia, e outro caiu no mesmo dia no lado russo do Lago Peipus, a poucos quilômetros da Estônia. A Rússia transformou suas fronteiras em um muro invisível de interferência eletrônica que afeta tanto a aviação militar quanto a civil, com consequências potencialmente catastróficas.

Imagem | ERR, Google Earth O drone ucraniano foi encontrado cerca de 80 km dentro do território estoniano.

Escalada na região do Báltico

No mesmo dia do incidente na Estônia, a Ucrânia utilizou ataques com drones contra o complexo de gás Novatek em Ust-Luga, o maior produtor de gás liquefeito da Rússia, localizado a apenas 30 quilômetros da Estônia. Imagens das explosões e do incêndio subsequente demonstraram a crescente capacidade de Kiev de atacar infraestruturas russas críticas dentro do país.

A proximidade geográfica transformou a Estônia e o restante da região do Báltico em testemunhas involuntárias de uma escalada que aumenta a exposição da região a acidentes e danos colaterais, como já ocorre na Polônia, Romênia, Moldávia e Bulgária, com drones caindo em campos ou perto de cidades.

Impacto do drone na Estônia Impacto do drone na Estônia.

Detecção de drones voando baixo

Além disso, as autoridades estonianas reconhecem que o incidente destaca a necessidade urgente de fortalecer as capacidades de detecção. Drones de ataque voam muito baixo para evitar radares, o que os torna quase invisíveis. A primeira-ministra Kristen Michal defendeu um sistema de defesa em camadas capaz de cobrir todos os ângulos, embora especialistas alertem que a cobertura absoluta é impossível.

Países como a Polônia optaram por investir em aeróstatos com radares voltados para baixo, um sistema que permitiria a detecção não apenas de drones, mas também de mísseis de cruzeiro e aeronaves voando baixo. No entanto, manter o alerta constante com meios de vigilância aérea, como aeronaves AWACS, é extremamente custoso em termos de pessoal e recursos.

O eco na Polônia

A queda do drone ucraniano coincide com um padrão crescente de incursões acidentais. A Polônia relatou há alguns dias que um drone militar russo com motor de fabricação chinesa caiu em um milharal perto de Osiny, a sudeste de Varsóvia.

Varsóvia também lembrou que a Rússia nunca reconhece tais incidentes, apesar de a Moldávia ter sofrido oito incidentes semelhantes, a Romênia três, a Lituânia três, a Letônia dois e a Bulgária um. Esses incidentes, somados aos constantes bombardeios russos na Ucrânia, forçaram caças da OTAN a decolar repetidamente para monitorar riscos no espaço aéreo da Aliança.

Impacto na aviação civil

O desvio do drone ucraniano também afetou o tráfego aéreo civil. Um avião de passageiros de Sharm El Sheikh com destino a São Petersburgo teve que fazer um pouso de emergência em Tallinn devido ao fechamento temporário do Aeroporto de Pulkovo após o ataque do drone. Este não é um incidente isolado: a Organização Internacional da Aviação Civil alertou que a interferência russa no GPS no Mar Báltico representa uma séria ameaça aos voos civis na Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, Finlândia e Suécia.

Países europeus como França, Holanda e Suécia relataram à UIT no ano passado que estações russas em Moscou, Kaliningrado e Pavlovka interferiram em sistemas de satélite europeus, afetando até mesmo sinais de televisão e substituindo transmissões por propaganda de guerra. O Reino Unido confirmou que um voo oficial com o então Ministro da Defesa, Grant Shapps, sofreu interferências no GPS sobre o enclave russo de Kaliningrado, em um dia em que mais de 500 aeronaves registraram interferências semelhantes.

Uma corrida cada vez mais perigosa

O pano de fundo deste incidente, por assim dizer, é a corrida acelerada entre Kiev e Moscou para implantar armas de longo alcance. A Ucrânia está desenvolvendo drones e mísseis de última geração, como o Flamingo, um míssil de cruzeiro terrestre com alcance de 3 mil quilômetros e uma ogiva explosiva de mais de uma tonelada, o que o tornaria o míssil mais destrutivo de seu arsenal.

A Rússia, por sua vez, está desenvolvendo drones e mísseis cada vez mais sofisticados e numerosos. O objetivo é intensificar a guerra de ataques de longo alcance, o que aumenta a probabilidade de projéteis atingirem pontos fora da zona de combate, causando uma escalada indesejada e um maior risco de envolvimento para os países da OTAN.

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