Fábricas do interior dos Estados Unidos reabriram e todas produzem o mesmo "brinquedo": um exército de drones de combate

Ressurgimento das cidades industriais não é apenas uma história de drones e contratos militares, mas uma metamorfose cultural

Imagem | Swarm Defense Technologies
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PH Mota

Redator
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Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

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Por décadas, o Rust Belt (área no nordeste dos EUA que possuia muitas fábricas, a partir dos anos 1970) foi o mapa do fracasso industrial americano: fábricas abandonadas, cidades sangrando pelo desemprego e gerações inteiras que viram o sonho americano enferrujar junto com as linhas de montagem. Nessas paisagens cinzentas, onde o silêncio substituiu o rugido do metal, ninguém esperava uma segunda vida. No entanto, algo inesperado está acontecendo entre os antigos hangares e as naves vazias: um novo ruído preencheu o ar novamente, mas desta vez não vem dos motores.

Vem dos ecos da Europa e da guerra que assola a Ucrânia.

Renascimento industrial

A história apareceu no New York Times. No coração do antigo império automobilístico americano, onde fábricas fechadas e placas de "aluga-se" haviam se tornado parte da paisagem, uma nova indústria está trazendo de volta à vida as cidades industriais do Centro-Oeste e Nordeste.

Onde antes se montavam motores e carrocerias, hoje se constroem drones, sistemas autônomos e armas inteligentes. Empresas como a Swarm Defense Technologies, que ocupa uma antiga fábrica em Auburn Hills, Michigan, produz milhares de drones por mês para o Exército e outras agências, reativando um ambiente industrial que parecia fadado ao declínio. O que antes era símbolo do declínio da indústria se transformou em um laboratório do futuro militar.

A expansão não se limita a um caso isolado. Startups como a Anduril, apoiada por inteligência artificial, estão investindo bilhões em fábricas de drones e armas autônomas em Ohio, Rhode Island e Mississippi, enquanto a Regent constrói planadores elétricos para os fuzileiros navais na costa da Nova Inglaterra e a UXV Technologies, de origem dinamarquesa, instala uma fábrica na Pensilvânia.

Todas elas encontraram terreno fértil nos antigos centros industriais: mão de obra qualificada, terrenos baratos e governos estaduais dispostos a oferecer incentivos em troca de empregos. Política e indústria se entrelaçam: para a Casa Branca, promover a defesa "made in USA" é tanto uma questão de segurança nacional quanto de estratégia eleitoral.

Fábrica da Swarm Defense Technologies em Michigan Fábrica da Swarm Defense Technologies em Michigan

Cálculo político

O presidente Trump transformou essa reindustrialização militar em uma bandeira política, impondo tarifas, restringindo compras no exterior e proclamando o fim da dependência de tecnologias chinesas. Os estados do Cinturão da Ferrugem, outrora bastiões da classe trabalhadora deslocada, são agora palco de um renascimento impulsionado pela defesa.

Políticos como o senador de Ohio, Jon Husted, filho de um operário da General Motors, celebram a chegada dessas fábricas como uma recuperação histórica: após décadas de fechamentos, empregos e esperança retornam. Investidores como Christian Garrett, da 137 Ventures, reconhecem que produzir nessas regiões não é apenas lucrativo, mas estratégico: “o cliente final é o Pentágono”, e cada vaga criada consolida um vínculo político entre a indústria e o Estado.

No entanto, esse renascimento não representa um retorno ao passado industrial. As novas fábricas não empregarão centenas de milhares de trabalhadores, mas sim técnicos especializados e programadores de sistemas autônomos. A Anduril, por exemplo, está construindo em Ohio uma instalação modular de centenas de milhares de metros quadrados, capaz de adaptar sua produção a diferentes plataformas de guerra e que empregará cerca de quatro mil pessoas.

Automação e inteligência artificial redefinem a noção de fábrica: menos força bruta e mais código, menos montagem e mais calibração. Mas o efeito simbólico e econômico é enorme: cidades como Warren, North Kingstown ou Auburn Hills reaparecem nos mapas da inovação, substituindo o aço e o petróleo pelo silício e pelos sensores.

Entre a tradição e a vanguarda

Os novos fabricantes estão redescobrindo o valor dos ofícios tradicionais. A Regent escolheu Rhode Island por seu legado naval e sua comunidade de construtores navais; a Swarm, pelo conhecimento técnico transmitido entre gerações de trabalhadores da indústria automobilística; e a Atomic Industries, em Michigan, por uma rede de soldadores e montadores que ainda preserva a destreza mecânica que o século XXI parece ter suplantado.

Essa combinação de experiência artesanal e tecnologia de ponta incorpora um novo tipo de patriotismo industrial, no qual a defesa se torna um motor econômico e a reconstrução de fábricas se torna um símbolo de soberania tecnológica.

O ressurgimento das cidades fabris não é apenas uma história de drones e contratos militares, mas uma metamorfose cultural. Para os trabalhadores que retornam a uma fábrica que seus pais ajudaram a construir, montar um drone é uma forma de reconciliação com a história. A mesma infraestrutura que outrora sustentou Detroit ou Flint agora se adapta aos desafios de uma nova era: defesa nacional, automação e independência industrial.

O que antes era o declínio da indústria americana está se tornando o alvorecer de sua força tecnológica, unindo a nostalgia das linhas de montagem à promessa de um futuro controlado por algoritmos e propulsores elétricos.

Imagem | Swarm Defense Technologies

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