Para problemas desesperados, soluções criativas. Há alguns anos, Nova York decidiu enfrentar a crise habitacional que se arrasta há algum tempo com uma medida que colocava o foco diretamente no Airbnb. A chamada Lei Local 18 tornou muito mais complicado alugar apartamentos para turistas por períodos curtos, de menos de 30 dias, e assim pretendia alcançar um duplo objetivo: fazer cumprir a regulamentação do setor e proteger a escassa oferta de moradia na cidade.
A norma entrou em vigor há exatamente dois anos. E o balanço está longe de ser o ideal.
Um nome: Lei Local 18
Nova York não é a única cidade que se propôs a limitar a oferta de aluguel por temporada. Medidas similares foram adotadas em Florença, Londres, Barcelona e Madrid, para citar apenas alguns exemplos. A tentativa da Big Apple, no entanto, se destacou na mídia tanto pela repercussão da cidade quanto pelo conteúdo da lei. A chamada Lei Local 18, aprovada em setembro de 2023, impôs limitações a quem se dedicava a alugar suas casas por períodos inferiores a 30 dias.
De início, Nova York exigiu que os proprietários se registrassem e proibiu o Airbnb (e plataformas similares) de gerenciar reservas se os imóveis não cumprissem esse requisito. Além disso, a lei estabeleceu que os proprietários devem seguir certas diretrizes que, na prática, limitam quem (e sobretudo como) pode entrar no mercado: nada de alugar casas inteiras, apenas quartos, os anfitriões devem estar presentes e o número de hóspedes também é bastante restrito.
Com a nova norma, as autoridades de Nova York perseguiam duas metas. A primeira: facilitar a convivência nos prédios em que coexistiam apartamentos residenciais e turísticos. A segunda (e mais importante): amenizar a crise habitacional que a cidade enfrentava. Dois anos depois, as comunidades de vizinhos da Big Apple talvez tenham menos problemas com grupos de turistas barulhentos, mas há sérias dúvidas de que o segundo objetivo, o realmente ambicioso, tenha sido alcançado.
A melhor prova foi apresentada há alguns dias pela publicação The Wall Street Journal, em uma ampla análise com um título que demonstra que o debate segue aberto: “A campanha contra o Airbnb em Nova York não melhorou a oferta de moradia”. Embora, desde setembro de 2023, os nova-iorquinos tenham mais dificuldades para oferecer seus apartamentos no Airbnb ou Booking, isso aparentemente não se traduziu em uma melhora no mercado residencial.
Pelo contrário, afirma o jornal: “Está mais difícil do que nunca encontrar um apartamento para alugar na cidade”. E isso é algo que pode ser confirmado tanto pelos preços quanto pelo estoque de moradia disponível em Nova York.
O aluguel nas alturas
Os dados mostram que os apartamentos de Nova York não pararam de encarecer nos últimos dois anos. O Zillow mostra, por exemplo, que o preço médio do aluguel de longa duração está agora em 3.750 dólares, 150 a mais do que há um ano. “A lei não parece ter um impacto significativo em tornar os aluguéis mais acessíveis”, confirma ao WSJ Jonathan Miller, executivo de uma empresa de avaliação imobiliária. Segundo seus cálculos, o mercado chegou até a um recorde histórico de 4.700 dólares mensais em Manhattan, embora ele reconheça que nesse valor influenciam fatores como a falta de novas construções.
O Airbnb também apresenta dados que mostram que os inquilinos de Nova York não têm mais facilidade hoje do que antes da Lei Local 18. A plataforma tem interesse direto nesse tema, e isso deve ser levado em consideração ao analisar seus números, mas eles impressionam: o índice de aluguel da cidade de Nova York subiu 8,1%, sendo 8,6% em Manhattan, 7,7% no Brooklyn e 6,5% no Queens. O portal ainda alerta sobre o “peso” que os aluguéis representam para os bolsos das famílias da periferia. “Quase três milhões de nova-iorquinos pagam mais de 30% de sua renda em aluguel”, adverte.
Não se trata apenas do custo do aluguel. O estoque de moradia disponível em Nova York continua longe de estar abundante, o que, a princípio, facilitaria uma suavização nos preços. Miller assegura que, em julho passado, a taxa de vacância para aluguel residencial em Manhattan marcava apenas 2,45%, perto do mínimo histórico. Na mesma linha, o Airbnb destacou em um comunicado recente que, apesar de os aluguéis de curta duração em Nova York terem caído mais de 90%, “as vacâncias de aluguel diminuíram 0,5%” em relação a 2023. E tudo isso, insiste a plataforma, “sem que se percebam sinais de uma melhoria significativa na disponibilidade de moradias”.
Por que as coisas ficaram assim?
Essa é a pergunta milionária. E não tem uma resposta fácil. Para começar, há algo óbvio: o mercado de Nova York já enfrenta há algum tempo desafios como a alta dos aluguéis e a escassez de estoque, que não se devem a um único fator. Além disso, a Big Apple não é a única região dos EUA a lidar com o encarecimento da moradia, agravado pela falta de novas construções.
Em sua análise, o WSJ apresenta um dado interessante que ajuda a entender por que a Lei Local 18 não conseguiu reverter a tendência e por que seu efeito foi pouco perceptível: embora, há dois anos, houvesse milhares de apartamentos disponíveis para turistas no Airbnb, na realidade eles representam apenas uma pequena parte do enorme mercado imobiliário de Nova York.
No início de 2023, a cidade tinha cerca de 38.500 unidades no Airbnb, segundo o jornal econômico, um número muito baixo se considerado que, no mercado livre, havia mais de um milhão de unidades residenciais. Atualmente, o Escritório de Cumprimento Especial registra apenas 3.000 aluguéis de curta duração que cumprem os rigorosos requisitos da lei e podem ser anunciados legalmente. Isso não significa que os milhares de apartamentos restantes estejam alugados por famílias nova-iorquinas que os utilizam como residências estáveis e permanentes.
Outro dado: 35.000 residências. Há proprietários que, ao não poder alugar seus apartamentos para turistas em estadias curtas, optaram por não alugá-los ou simplesmente anunciá-los para períodos mais longos, superiores a 30 dias, de modo que não seriam afetados pelas limitações da nova lei. Em 2024, a AirDNA constatou que havia 35.000 apartamentos em Nova York anunciados no Airbnb para estadias de 30 ou mais noites. Na época, a Lei 18 estava em vigor há apenas alguns meses, mas, mesmo assim, o dado é revelador e mostra que pode haver proprietários que optam por alternar aluguéis longos com períodos em que disponibilizam sua residência.
Os outros protagonistas: hotéis
Na equação, há outro fator: os hotéis. O Airbnb sugere que eles foram os grandes beneficiados da nova lei, em detrimento do bolso dos turistas e da distribuição da riqueza gerada por eles. E apresenta um número para justificar isso: citando dados da CoStar, afirma que, nos últimos dois anos, os preços dos hotéis em Nova York aumentaram 12,6%, “mais do que o triplo da alta a nível nacional”. A plataforma garante que isso impacta diretamente o turismo local e obrigará o escritório de turismo de Nova York a reduzir sua previsão de visitantes ainda neste exercício.
O WSJ também apresenta alguns dados interessantes: reservar um quarto em um hotel de Nova York custava, em média, em julho, 283 dólares, 7% a mais do que há dois anos. Em 2024, quando a Lei 18 estava em vigor há apenas alguns meses, a imprensa americana já noticiava aumentos nos preços dos hotéis e que havia até viajantes que optavam por se hospedar em Jersey City, Hoboken ou Weehawken, áreas próximas à metrópole que ofereciam aluguéis de curta duração. Em Jersey City, a demanda disparou 77% em apenas um ano.
É tudo negativo? Não. E isso explica por que o debate segue aberto. A Lei Local 18 talvez não tenha conseguido resolver a complicada situação da moradia em Nova York, mas seus defensores apresentam alguns dados a seu favor. Por exemplo, a oferta de apartamentos do Airbnb há dois anos talvez fosse relativamente baixa (38.000), mas as autoridades locais insistem que a cidade não pode prescindir dela.
“Não podemos permitir perder uma única unidade de moradia quando há um enorme problema de habitação vazia”, argumenta Christian Klossner, do Escritório de Cumprimento Especial. Sob a proteção da nova legislação, a cidade também atuou contra acomodações que não cumpriam os requisitos mínimos necessários.
Um debate (muito) vivo
O inegável, dois anos depois, é que o debate continua tão ou até mais acalorado do que em 2023. Os opositores da Lei 18 afirmam que ela penaliza o turismo e os negócios locais e alertam que a norma é contraproducente para o mercado residencial. “Muitos nova-iorquinos eram, na verdade, pessoas comuns que dependiam do Airbnb para pagar seu aluguel ou hipoteca”, chegou a advertir Brian Chesky, do Airbnb, que garante que os anfitriões recebiam essa renda extra de seus apartamentos enquanto estavam em viagens a trabalho ou férias.
No polo oposto estão aqueles que desconfiam do efeito do Airbnb nas cidades, deslocando moradias do mercado residencial para o de aluguel por temporada (muito mais lucrativo), incentivando a alta dos preços e favorecendo a gentrificação. A organização Tenants Not Tourists apresenta um estudo que conclui que 9% do aumento dos aluguéis experimentado pela cidade entre 2009 e 2016 é atribuível ao Airbnb.
Imagens | Ben O´Bro (Unsplash) e Airbnb
Tradução via: Xataka Espanha.
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