Como a Ucrânia conseguiu infiltrar milhares de drones na Rússia? A resposta é simples: subornando russos

A Operação Spiderweb demonstrou que a guerra do século 21 é definida por quem domina a criatividade e o sigilo, não apenas a força bruta

“Sinfonia tática” teve múltiplas partes críticas, porém autônomas / Imagem: 93ª Brigada Mecanizada da Ucrânia
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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No dia 1º de junho, o que pareciam ser várias casas móveis situadas em pontos estratégicos da Rússia revelaram o que realmente eram: caminhões camuflados com um exército de drones preparados para uma operação encoberta. Assim começava a chamada Spiderweb, a maior ofensiva ucraniana em solo russo, um ataque devastador contra a frota de bombardeiros de Moscou. Agora, quase um mês após o ataque, a Ucrânia respondeu a uma das grandes incógnitas: como diabos os enxames entraram em território russo.

Redefinindo a guerra moderna

Por mais de dezoito meses, os serviços de inteligência ucranianos planejaram meticulosamente uma operação que culminou em um ataque sem precedentes a milhares de quilômetros de suas fronteiras: um exército de drones camuflados nessas casas móveis pré-fabricadas, que foram transportadas através de fronteiras internacionais até alcançar bases aéreas estratégicas russas.

Agora, Vasyl Maliuk, chefe do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), revelou os detalhes da operação em uma longa entrevista ao Washington Post, na qual afirma que o ataque destruiu ao menos 12 aeronaves russas, incluindo os bombardeiros Tu-95, e danificou um total de 41 aparelhos, alguns deles situados a mais de 3.400 quilômetros a leste da Ucrânia, na Sibéria. As imagens de satélite analisadas pelo Post confirmaram a destruição parcial, embora algumas evidências visuais tenham sido limitadas por condições meteorológicas, o que leva a supor que parte dos destroços pode ter sido removida por Moscou antes de ser registrada.

Maliuk explicou que o planejamento da operação começou em novembro de 2023, como resposta a uma nova onda de bombardeios russos sobre cidades ucranianas. A ideia consistia em ocultar drones dentro dessas casas móveis que simulavam ser unidades habitacionais comuns. Essas estruturas precisavam contar com sistemas energéticos autônomos (painéis solares e baterias especiais) para manter os veículos não tripulados carregados, mesmo em temperaturas invernais extremas, à espera da ordem final.

As restrições russas à importação de componentes tecnológicos tornaram necessária uma tática tão antiga quanto as próprias guerras: o suborno — neste caso, a agentes alfandegários para introduzir os materiais.

Quase ninguém sabia de nada

O sigilo, ao que parece, foi total: cada grupo trabalhava com informações compartimentadas, os engenheiros que fabricaram os drones desconheciam seu verdadeiro propósito e aqueles que montaram as casas pré-fabricadas não sabiam que estavam abrigando armas. Nas palavras de Maliuk, tratou-se de “uma sinfonia tática” com múltiplas partes críticas, porém autônomas.

Assim, na manhã do ataque, 117 drones FPV modificados com carga explosiva dupla foram ativados a partir dos tetos móveis das casas camufladas. Cada artefato era controlado por um operador selecionado entre os melhores do país, aos quais foi atribuído um alvo específico: uma aeronave determinada, cuja localização e entorno foram estudados com modelos detalhados.

As cargas foram projetadas para primeiro perfurar a fuselagem e depois detonar no interior, maximizando os danos em pontos-chave como tanques de combustível, lançadores de mísseis e sistemas eletrônicos que a Rússia não pode substituir facilmente. Embora Maliuk tenha evitado detalhar os sistemas de comunicação usados para o guiamento remoto, confirmou que foram múltiplos e sofisticados, especialmente desenvolvidos para evitar interferências e garantir o sucesso.

Consequências estratégicas

A Operação Spiderweb foi apenas o primeiro golpe. Dois dias depois, a Ucrânia executou outra ofensiva de grande escala contra a ponte da Crimeia, símbolo da ocupação russa da península, utilizando explosivos submarinos de 1.000 quilos. Embora o tráfego tenha sido restabelecido, o ataque teve um efeito simbólico e estratégico claro.

A Rússia respondeu com uma onda massiva de drones e mísseis que atingiram áreas civis de Kiev, deixando dezenas de vítimas. Longe de provocar uma desescalada, a ação ucraniana confirmou um novo patamar na guerra tecnológica e demonstrou a capacidade de Kiev de atingir alvos profundamente dentro do território inimigo. Segundo Maliuk, a Spiderweb é apenas uma amostra do potencial da inteligência ucraniana para alterar as regras do conflito e representa um esforço logístico, técnico e humano “unificado em uma única estrutura”.

Em plena ofensiva russa e diante da pressão constante sobre as cidades ucranianas, a operação Spiderweb marca um marco na guerra moderna. Não apenas pela profundidade do alcance (de bases na Ucrânia até instalações russas na Sibéria), mas também pelo modelo operacional: fragmentação do conhecimento entre os operadores, subornos, uso de camuflagem civil, inovação em armamento leve e capacidade de lançar ataques de alta precisão sem recorrer a grandes plataformas convencionais.

Nas palavras do próprio Maliuk, isso é apenas “a ponta do iceberg” no que diz respeito ao trabalho de sua agência com drones, redes de agentes e operações encobertas. Em um conflito que cada vez mais é travado com bits e algoritmos em vez de divisões blindadas, a ofensiva demonstrou que a guerra do século 21 é definida por quem domina o sigilo, muito acima da força bruta.

Imagem | 93ª Brigada Mecanizada da Ucrânia

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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