Imitação de plástico: brasileiro recebe prêmio IgNobel 2024 por pesquisa sobre planta que imita outras espécies e até plantas falsas

Boquila trifoliolata imita folhas de planta hospedeira, inclusive aquelas feitas de plástico. — Foto: Felipe Yamashita
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Sofia Bedeschi

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Sofia Bedeschi

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Jornalista com mais de 5 anos de experiência, gamer desde os 6 e criadora de comunidades desde os tempos do fã-clube da Beyoncé. Hoje, lidero uma rede gigante de mulheres apaixonadas por e-Sports. Amo escrever, pesquisar, criar narrativas que fazem sentido e perguntar “por quê?” até achar uma resposta boa (ou abrir mais perguntas ainda).

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Uma descoberta intrigante no mundo da botânica rendeu ao cientista brasileiro Felipe Yamashita o prêmio IgNobel 2024. Natural de Botucatu, São Paulo, ele foi reconhecido pelo estudo sobre a Boquila trifoliolata, uma planta capaz de imitar a forma, tamanho e até a cor das folhas de espécies vizinhas, incluindo plantas artificiais.

O estudo trouxe novas perspectivas sobre como essa espécie pode perceber e reagir ao ambiente ao seu redor.

O IgNobel é uma premiação anual que reconhece pesquisas curiosas e inusitadas, estimulando o interesse científico de forma irreverente. O trocadilho no nome faz referência ao tradicional Prêmio Nobel, mas com um tom humorístico, destacando estudos que, à primeira vista, podem parecer irrelevantes, mas que trazem contribuições científicas interessantes.

O fenômeno da planta que imita

A Boquila trifoliolata é uma espécie endêmica do Chile e da Argentina, conhecida há mais de 200 anos e utilizada por povos indígenas locais. Seu comportamento peculiar chamou a atenção da comunidade científica desde 2014, quando o ecologista chileno Ernesto Gianoli observou que a planta, ao crescer sobre outras espécies, alterava suas folhas para se parecer com as da planta hospedeira.

Até então, acreditava-se que esse mimetismo dependia do contato direto com outras plantas. Duas hipóteses foram levantadas para explicar o fenômeno: uma delas sugeria que compostos químicos voláteis das plantas vizinhas poderiam influenciar a Boquila, enquanto a outra apontava para a transferência de micróbios que modificaram o material genético da planta, resultando na mudança de suas folhas.

No entanto, a pesquisa conduzida por Yamashita e sua equipe trouxe uma nova possibilidade. Eles realizaram experimentos utilizando modelos de folhas artificiais de plástico, isolando a planta da influência química e microbiológica de outras espécies.

Mesmo assim, a Boquila continuou alterando suas folhas para se parecer com os modelos plásticos, sugerindo que o mecanismo por trás desse mimetismo pode ser mais complexo do que se imaginava.

Uma possível percepção visual nas plantas

Os resultados do estudo indicam que a Boquila pode estar utilizando algum tipo de percepção visual ou sensorial para identificar e imitar seu ambiente. Essa ideia não é inteiramente nova. No início do século XX, os botânicos Gottlieb Haberlandt e Francis Darwin já haviam teorizado a existência de uma espécie de "visão" primitiva em plantas, mas o conceito acabou caindo em desuso ao longo dos anos.

Estudos mais recentes indicam que algumas cianobactérias possuem células que funcionam como lentes para captar luz, o que pode sugerir mecanismos semelhantes em plantas mais desenvolvidas.

Além disso, algumas espécies vegetais produzem proteínas associadas a estruturas básicas de percepção luminosa.

No caso da Boquila, a pesquisa de Yamashita mostrou que a distribuição de auxinas, hormônios responsáveis pelo crescimento da planta, pode estar ligada à adaptação das folhas. Isso significa que a planta pode estar captando informações do ambiente e reagindo a elas, mesmo sem um sistema ocular como o dos animais.

O desafio dos experimentos

Realizar esse tipo de experimento não foi simples. Entre 2020 e 2022, a equipe enfrentou dificuldades para obter exemplares da Boquila, conseguindo um número significativo apenas no final de 2022, com a ajuda de um jardineiro do Jardim Botânico da Universidade de Buenos Aires. Além disso, a planta não cresce no inverno, o que limita o período de testes entre março e julho.

Com mais de 120 plantas disponíveis, novos testes foram realizados recentemente para validar as descobertas. Uma das mudanças foi o uso de modelos bidimensionais de folhas, em vez de modelos tridimensionais, para eliminar qualquer interferência do contato físico na adaptação das folhas da Boquila.

Duas folhas da Boquila trifoliolata, a planta que imita a forma de outras espécies. Folha da direita está imitando uma folha de plástico. — Foto: Felipe Yamashita

O impacto do reconhecimento

Ao ser informado sobre o prêmio, Yamashita inicialmente não conhecia a premiação e consultou seu orientador para entender seu significado.

Ele percebeu que, apesar do tom humorístico do IgNobel, a cerimônia valoriza descobertas científicas que despertam a curiosidade e promovem o interesse pelo conhecimento.

Atualmente, Yamashita busca oportunidades de pós-doutorado no Brasil e na Europa para dar continuidade aos estudos sobre a Boquila trifoliolata e aprofundar a compreensão desse mecanismo único de mimetismo no reino vegetal.

Se comprovada a hipótese de percepção visual em plantas, esse estudo pode abrir caminho para novas pesquisas sobre comunicação e adaptação das espécies ao ambiente.

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