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O mundo que passou décadas se maravilhando com o urbanismo de Washington D.C., na verdade, admirava Aranjuez

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Sofia Bedeschi

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Sofia Bedeschi

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Jornalista com mais de 5 anos de experiência, gamer desde os 6 e criadora de comunidades desde os tempos do fã-clube da Beyoncé. Hoje, lidero uma rede gigante de mulheres apaixonadas por e-Sports. Amo escrever, pesquisar, criar narrativas que fazem sentido e perguntar “por quê?” até achar uma resposta boa (ou abrir mais perguntas ainda).

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Um estudo espanhol confirmou semelhanças surpreendentes entre as duas localidades. “Descobrimos que, quando foi criada a capital dos EUA, a cidade se baseou nos planos de Aranjuez.”

Washington D.C., a capital da nação mais poderosa do planeta, já foi vista em notícias, fotografias, documentários e filmes de todos os gêneros. Não seria exagero imaginar que, se existisse um “Top 10” das cidades mais representadas do mundo, a americana ocuparia uma posição de destaque. 

No entanto, apesar de toda essa superexposição, um de seus maiores segredos arquitetônicos passou despercebido até agora: ao menos uma parte central do seu urbanismo foi inspirada em uma cidade espanhola com menos de 63 mil habitantes.

Qual cidade? Aranjuez.

Revisando a história. Que o Real Sítio de Aranjuez e a capital dos EUA apresentam um paralelismo urbanístico surpreendente (e até suspeito) se sabe já há alguns anos. A descoberta foi feita antes da pandemia por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Almería e da Politécnica de Madrid. Na época, o achado gerou comentários, mas foi agora, em 2025, que despertou ainda mais interesse.

O motivo? 

Com Washington D.C. sob os holofotes internacionais pelas políticas de Donald Trump, a própria administração norte-americana reconheceu publicamente as semelhanças entre sua capital e Aranjuez.

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“Duas cidades, um mesmo plano.” 

Como antecipação ao 250º aniversário da Declaração de Independência, que será celebrado no próximo ano, a Embaixada dos EUA em Madri publicou há alguns dias um tuíte destacando o paralelismo entre a cidade madrilenha e a capital banhada pelas águas do rio Potomac.

“Washington D.C. compartilha seu desenho urbano com Aranjuez. As mesmas 12 avenidas radiais, a disposição dos edifícios… até mesmo a curva do rio. Duas cidades, um mesmo plano”, afirmou a embaixada em Madri, junto a um link da Fundação Descubre no qual, ao clicar, é possível ler uma frase em tom ainda mais enfático: “O urbanismo de Washington, uma cópia do de Aranjuez.”

Um momento “eureka”. 

Para compreender, é preciso voltar alguns anos atrás, quando um membro da equipe formada por pesquisadores da Universidade de Alicante e da Politécnica visitou Washington. Lá, percebeu um detalhe curioso: as ruas, as avenidas, a disposição dos edifícios, os passeios… tudo lhe lembrava outro lugar que os urbanistas espanhóis conhecem bem, Aranjuez.

De volta à Espanha, ele decidiu aprofundar aquela intuição e iniciou uma investigação que, anos depois, em janeiro de 2019, resultou em um artigo publicado na revista acadêmica Urban Planning and Development.

“Semelhanças surpreendentes”.

O título do ensaio já era uma verdadeira declaração de intenções: “Semelhanças entre o Plano Urbano de L’Enfant para Washington D.C. e o Real Sítio de Aranjuez, Espanha”. Nas páginas do estudo, os especialistas lembram que a influência de Versalhes no traçado elaborado em 1791 por Pierre C. L’Enfant para o desenvolvimento de Washington é “bem conhecida”, mas muito menos conhecidas são “as surpreendentes semelhanças” entre a capital americana e “a forma urbis do Real Sítio de Aranjuez”. Os autores admitem que esses paralelismos podem ser “simples coincidências”, mas, no mínimo, “levantam questionamentos”.

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“É uma cópia de Aranjuez.”

Bem mais enfático foi o comunicado publicado na época pela Universidade de Almería para apresentar a pesquisa. Nele, afirma-se que “o urbanismo de Washington D.C. é uma cópia do de Aranjuez”. 

“Descobrimos, afirmamos e conseguimos justificar e publicar que, quando foi criada a capital dos EUA, após o presidente George Washington encarregar seu projeto a Thomas Jefferson e este ao cartógrafo Pierre L’Enfant, a cidade se baseou nos planos de Aranjuez”, conclui Francisco Manzano, um dos autores do estudo.

Em que eles se baseiam? No estudo cartográfico das duas cidades. Os pesquisadores comprovaram que a disposição dos edifícios principais, as avenidas radiais e o sistema de ruas são semelhantes em ambos os lugares. 

A universidade cita um exemplo claro: Washington D.C. e o Real Sítio de Aranjuez têm em comum um traço urbanístico peculiar, o “diagrama de dois grandes espaços retangulares” dispostos em forma de “L”, nos quais se encontram, de maneira análoga, dois edifícios emblemáticos. No caso da capital americana, o Capitólio e a Casa Branca. No da cidade madrilenha, o Palácio Real e a Igreja de San Antonio.

Têm mais em comum? Sim

Ainda mais surpreendente é a posição idêntica desses espaços em forma de L em relação aos rios Potomac e Tejo e aos canais que deles partem. Também foram encontradas correspondências entre algumas avenidas diagonais de Washington e o sistema de passeios das hortas renascentistas do Tejo; entre a Plaza de las Doce Calles, em Aranjuez, e as 12 avenidas que irradiam do Capitólio”, explica José Carlos de San Antonio Gómez, da Politécnica de Madri.

Outro paralelismo aparece no tridente do Jardim do Parterre, em Aranjuez, e no formado, no plano original, pela Pennsylvania Avenue NW, Maryland Avenue SW e Avenue H. “Da análise dos planos de ambas as cidades e das circunstâncias em que foram elaborados, inferem-se paralelismos surpreendentes”, destaca o especialista.

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Buscando as causas

Uma vez detectados os pontos em comum entre os dois lugares, restava uma missão tão ou até mais complexa: explicá-los. A que se devem? Teriam os urbanistas de Washington D.C. se inspirado nos planos do Real Sítio de Aranjuez? Os pesquisadores espanhóis também enfrentaram essas incógnitas.

Os especialistas lembram que o rei Carlos III mandou enviar cópias do plano de Aranjuez para Paris e para as principais cortes europeias na década de 1770. E não é absurdo pensar que, na capital francesa, o engenheiro militar Pierre L’Enfant pudesse tê-lo observado e estudado em detalhe. “Não há documentos que provem que ele o conheceu, mas as evidências falam por si”, destacam. Em Paris, no final do século XVIII, também pôde ver o plano do Real Sítio Thomas Jefferson.

Entre o futuro responsável pelo desenvolvimento de Washington D.C. e o mapa de Aranjuez há ainda outro paralelismo: a antiga (e longa) amizade entre o espanhol Manuel Salvador Carmona, gravador do desenho de Aranjuez, e o artista Pierre L’Enfant, pai do urbanista homônimo que anos depois recebeu a tarefa de projetar a cidade que se tornaria a capital dos EUA.

“A lógica nos diz...”

 “Quando o plano [de Aranjuez] chegou a Paris, L’Enfant era aluno da Académie Royale de Peinture et de Sculpture, da qual seu pai era membro, assim como anos antes havia sido o espanhol M. S. Carmona, que gravou o plano de Aranjuez”, recorda Cristina Velilla, da Politécnica.

“A lógica nos diz que o plano de um Sítio Real de uma dinastia irmã da francesa, de extraordinária perfeição técnica e consideráveis dimensões, foi certamente admirado pelos acadêmicos, sobretudo levando em conta que foi gravado por Carmona, antigo acadêmico e colega do pai de L’Enfant 12 anos antes.”

O grande desafio

Estabelecer os paralelismos e encontrar uma explicação foi apenas parte dos desafios enfrentados pelos especialistas. Outro, igualmente importante, foi dar visibilidade ao que acabavam de descobrir. 

Embora hoje a Embaixada dos EUA reconheça que Washington D.C. “compartilha seu desenho urbano” com Aranjuez, na época não foi fácil para a equipe espanhola encontrar um espaço para divulgar sua teoria de que a poderosa capital poderia ter se inspirado em uma cidade espanhola.

“Sempre esbarramos em editores da própria cidade de Washington, o que tornou tudo muito difícil. Para conseguir a publicação, enviamos o artigo com outro título, como se fosse uma primeira aproximação ao desenho urbano de Washington, e depois o próprio editor acabou percebendo o que realmente queríamos dizer: que Washington se parece com Aranjuez”, confessava Francisco Manzano em 2019. “Não chegamos com essa ideia de forma explícita no início, e foi isso que funcionou.”

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