Acordar às sete, trabalhar oito horas, responder a trinta e-mails, fazer compras, passear com o cachorro, jantar… E às 20h30, sexo. Agendado, com um alerta. Parece piada, mas não é. Cada vez mais casais estão fazendo isso: agendando seus encontros sexuais como se fossem uma reunião de negócios ou uma aula de ioga. Em tempos de estresse, telas e dias intermináveis, a intimidade parece ter se tornado apenas mais um item na lista de tarefas. O que antes acontecia espontaneamente agora exige planejamento.
A recessão sexual
O desejo, dizem os especialistas, tem cada vez menos espaço para aflorar. A sexóloga e terapeuta de casais Nayara Malnero explica isso ao jornal espanhol eldiario.es com uma frase que resume o sentimento de muitos: "Temos vidas em que não há tempo para intimidade, nem para nós mesmos, nem para nossos parceiros."
Trabalhar demais, dormir de menos, cuidar de crianças ou de parentes idosos, checar as redes sociais antes de dormir… Tudo isso deixa pouco espaço para a intimidade. A consequência, segundo diversos estudos citados pelo The Atlantic e pelo British Medical Journal, faz parte de uma tendência global: a chamada “recessão sexual”, um declínio contínuo na frequência de relacionamentos íntimos entre jovens e adultos.
E por que fazem isso?
Para alguns casais, agendar o sexo não é uma obrigação, mas uma forma de reservar um espaço que, de outra forma, desapareceria. Uma mulher de 28 anos contou à revista Dazed que ela e o marido começaram a escrever sua "agenda de intimidade" em um quadro branco. Não como uma obrigação, mas como uma forma de reservar um tempo real um para o outro: "Não era 'é terça-feira, hora de transar', mas sim garantir que tivéssemos um momento sem telas naquela semana, só para nós". Outro casal compartilhou uma história semelhante na revista Glamour: depois de meses de rotina, eles decidiram agendar seus encontros íntimos. "O desejo começa de manhã: trocamos mensagens provocantes, flertamos no jantar... E a expectativa faz o resto", explicaram, acrescentando que o planejamento não mata a paixão; pelo contrário, a acende.
A terapeuta Heather McPherson explica de forma simples: "Agendar o sexo adiciona intenção e entusiasmo ao relacionamento. Trata-se de garantir que você priorize a conexão com seu parceiro." A Dra. Kelly Casperon compara a algo tão comum quanto o exercício físico : "É como malhar. Podemos fazer isso a qualquer hora, mas se não agendarmos, não acontece." No entanto, nem todas as experiências são positivas. Algumas pessoas, entrevistadas pelo eldiario.es, confessaram que tentar encaixar a intimidade em suas agendas se tornou mais uma fonte de pressão: "Virou uma obrigação. O desejo não pode surgir onde há controle ou ansiedade", disse uma delas.
Entre a terapia e uma armadilha
A maioria dos especialistas concorda: o planejamento pode ser útil, mas apenas se não se tornar uma exigência. "Uma coisa é planejar um encontro com entusiasmo — um jantar, uma viagem — e outra bem diferente é dizer 'temos que fazer isso porque é o esperado'. O desejo não funciona sob pressão", alerta Malnero. Nessa mesma linha, a sexóloga María Victoria Ramírez aponta para esta perspectiva: agendar encontros "puramente genitais" pode ser contraproducente, mas agendar momentos de intimidade sem expectativas pode fortalecer o vínculo. "Vocês podem agendar um tempo livre de obrigações para conversar, aproveitar a companhia um do outro e abrir espaço para o contato físico", sugere ela.
Na Laurel Therapy, os terapeutas de casais explicam assim: "A chave é entender que intimidade nem sempre significa sexo. Pode ser uma conversa profunda, uma massagem ou simplesmente rir juntos. Não é uma obrigação; é um espaço seguro para se conectar." E a ciência comprova isso. Um estudo da Universidade de York, no Canadá, mostrou que o sexo planejado não é menos satisfatório do que o sexo espontâneo. Aliás, para aqueles que encaram o planejamento como um ato de cuidado, e não como uma obrigação, a satisfação sexual aumenta.
Será que estamos perdendo a nossa paixão?
Talvez o problema não seja a falta de desejo, mas a falta de tempo. Vivemos numa cultura que idealiza a espontaneidade: sexo de filme, apaixonado e improvisado. No entanto, a realidade, com seus horários e responsabilidades, deixa pouco espaço para a magia instantânea. A terapeuta Inma Ríos explica assim: "Fingir que tudo vai acontecer magicamente é uma forma de condenar a sua vida sexual. A antecipação do momento já é prazerosa: ativa as nossas fantasias e alimenta a nossa libido."
Segundo a sexóloga Núria Cano, o desejo não desaparece: ele se transforma. "Quando a paixão se dissipa, o desejo funciona de maneira diferente. Esperar que ele surja pode ser o verdadeiro problema", destaca. Ela acrescenta: "Pensar no encontro com antecedência pode alimentar a fantasia, até mesmo a criatividade. Se organizamos festas, por que não planejar o sexo?"
O ritmo frenético da sociedade moderna — trabalho, telas, multitarefas — parece estar levando os casais a se organizarem mais. Nesse contexto, agendar o sexo não seria tanto uma anomalia, mas sim uma adaptação cultural.
Como manter o equilíbrio?
Os terapeutas concordam em um ponto fundamental: o sucesso ou o fracasso do planejamento depende da abordagem. Se for feito com pressão, torna-se um fardo. Mas se for feito com humor, descontração e consenso, pode reacender a chama da relação.
Sites especializados recomendam prestar atenção aos detalhes: planejar encontros românticos, criar um ambiente agradável, usar a expectativa como parte do prazer ou mudar o cenário para manter a excitação mesmo dentro de uma programação estabelecida. Um casal britânico que está junto há 40 anos contou ao The Guardian que faz sexo "a cada três dias, sempre ao som de Madonna". E afirmam que essa rotina, longe de diminuir o desejo, os manteve unidos por décadas. "Contar os dias para o próximo encontro é emocionante para mim", confessa ele. "Agendar evita conflitos devido a diferenças de libido e nos dá algo para esperar com ansiedade."
Um sintoma... e uma oportunidade
O aumento do "sexo agendado" diz muito sobre o mundo em que vivemos: um lugar onde a produtividade e a falta de tempo invadiram até a intimidade. Mas também revela que os casais estão buscando soluções criativas para sobreviver a esse ruído.
Planejar pode ser um sinal de intenção, e não de rigidez: uma forma de nutrir o que o acaso já não garante. Talvez não se trate de transformar o sexo em um compromisso no Google Agenda, mas de reservar um espaço — com ou sem despertador — para a presença, a espontaneidade e o desejo. Porque, no fim das contas, o romance não morre por falta de espontaneidade. Ele morre por falta de tempo. E talvez agendá-lo seja, paradoxalmente, a forma mais humana de reacendê-lo.
 
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