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Coreia do Sul recicla 97% dos seus resíduos alimentícios: segredo está na multa para quem não recicla

Em apenas 25 anos, a Coreia do Sul passou de reciclar menos de 3% dos seus resíduos alimentares para mais de 97%. A chave para esse sucesso está em um sistema de pagamento pela reciclagem e multas para quem não cumpre as regras.

Coreia Do Sul Recicla 97 Dos Seus Residuos Alimentares
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Estamos há décadas reciclando, e a polêmica continua. Alguns estudos mostram que ainda não entendemos completamente como funciona o processo de reciclagem, continuamos cometendo erros na separação dos produtos em cada contêiner e, quando se trata de plásticos, a situação é ainda pior.

O mundo recicla menos de 10% do plástico que descarta, e até campanhas para recompensar a boa reciclagem tiveram que ser implementadas.

E há problemas com a reciclagem em várias áreas, desde plásticos até resíduos alimentares que acabam nas ruas ou em aterros. Na Coreia do Sul, também havia esse problema, mas agora eles reciclam 97% dos seus resíduos alimentares. Como? Com um sistema de pagamento por reciclagem e multas para quem não o faz corretamente.

Costumes da Coreia do Sul

Estudos recentes indicam que cerca de 30% de todos os resíduos sul-coreanos são alimentares, mas mais de 90% deles são separados e coletados de forma eficaz.

Jae-Cheol Jang, professor do Instituto de Agricultura da Universidade Nacional de Gyeongsang e um dos autores do estudo, comentou à BBC que "na Coreia do Sul, são processadas cerca de 4,56 milhões de toneladas de resíduos alimentares por ano. Desse total, 4,44 milhões de toneladas são recicladas para outros usos, o que significa uma taxa de reciclagem de 97,5%".

Objetivo: evitar aterros

Esses resíduos agora são utilizados para a produção de biogás, alimentação animal e fertilizante, mas nem sempre foi assim. Estima-se que, em 1996, o país reciclava apenas 2,6% dos seus resíduos alimentares.

Nos anos 80, a Coreia do Sul passou por um auge de industrialização, urbanização e gentrificação, o que gerou o problema de como lidar com os resíduos em um país com uma densidade média de mais de 530 pessoas por quilômetro quadrado.

A solução inicial foi a criação de aterros próximos às grandes cidades, mas isso causou protestos da população devido aos maus odores e à presença de lixo. Isso motivou uma campanha para resolver o problema dos aterros.

Em 2005, foi criada uma lei que proibia o descarte de restos de comida em aterros. E, em 2013, o governo foi além, implementando um sistema de pagamento baseado no peso dos resíduos alimentares.

Pagar Para Reciclar

Pagar para reciclar

E não, não se trata de receber dinheiro por reciclar como forma de incentivo, mas sim de você pagar cada vez que descarta resíduos. Isso representa um desafio para um país onde, culturalmente, pode-se desperdiçar muita comida que antes acabaria em aterros ou lixeiras. E menciono que é uma questão cultural por causa da tradição do banchan.

Se você já foi a algum restaurante coreano, sabe que há um prato principal cercado por vários outros pequenos pratos, como vegetais, carnes ou diferentes molhos, que servem para complementar o prato principal. No entanto, se houver desperdício de comida, há multas, como veremos mais adiante.

Temos três opções

Na hora de reciclar e processar eficazmente os resíduos alimentares, os cidadãos têm três opções, que variam conforme a região, o distrito ou até mesmo entre diferentes blocos de apartamentos na mesma cidade. Yuna Ku, repórter da BBC, explica como funciona o sistema:

  • Sacos autorizados: são sacos amarelos de cerca de três litros que custam aproximadamente 300 won — cerca de 20 centavos de euro — e que, quando cheios de resíduos, são deixados na rua para que o serviço municipal os recolha. Há também sacos de 20 litros que custam pouco mais de um euro.
  • Sistema automatizado: presente em blocos de edifícios, consiste em máquinas com identificação por radiofrequência que permitem pesar os resíduos alimentares. O usuário leva um recipiente de aço com os resíduos, coloca na máquina, que lê o código da sua carteira de identidade residencial. Essa carteira contém os dados da residência e um sistema de crédito. A máquina pesa os resíduos, armazena-os internamente e cobra o valor correspondente. Yuna comenta que costuma gastar cerca de 4,5 euros por mês com esses resíduos.
  • Adesivos: voltado para restaurantes, trata-se de adesivos pré-pagos que os estabelecimentos compram e colam nos contêineres, para que o serviço de coleta saiba que... o pagamento já foi feito. Esse é o verdadeiro desafio devido à tradição do banchan.
Conteiners Com Radiofrequencia Um dos contêiners com radiofrequência

Sobre as multas

E o que acontece se você não cumpre as regras? Yuna comenta que a maioria da população segue as normas (os dados sobre a mudança de hábitos de reciclagem no país estão aí para provar), mas se alguém não descartar os resíduos alimentares de forma adequada, terá que pagar.

Nos edifícios, há câmeras de segurança que identificam os moradores, e as multas podem chegar a cerca de 63 euros, dependendo da frequência da infração.

No caso dos restaurantes, também há câmeras, mas as autoridades podem desconfiar se notarem que não estão sendo descartados resíduos suficientes. Nessas situações, as multas podem ultrapassar 10.000.000 won, o que equivale a cerca de R$41.000 reais.

Yuna observa que os coreanos tendem a seguir as regras devido a um forte senso moral, e que, comparado com o salário médio, o custo de reciclar não é elevado.

E por fim, desafios

No entanto, isso traz dois desafios. Na Coreia do Sul, 49% dos resíduos alimentares são utilizados para alimentar animais de fazendas, e se esses restos não forem processados corretamente, isso pode colocar em risco a saúde dos animais que, posteriormente, servirão de alimento para a população.

Já houve consequências desse tipo, como o surto de febre suína em 2019, que colocou várias fazendas do país em risco e levou o governo a proibir temporariamente a alimentação com ração feita a partir de restos de alimentos.

Por outro lado, no restante do mundo, um sistema como esse poderia ser mais ou menos aceito, dependendo do país. Copiar o modelo sul-coreano não seria o ideal em todos os contextos. Rosa Rolle, especialista em perda e desperdício de alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, comentou à BBC que esses hábitos seriam adequados para conscientizar a população.

No entanto, ela considera que, em países da América Latina, por exemplo, o foco deveria ser em maximizar o uso dos alimentos, minimizando os desperdícios ou doando o que sobra.

De qualquer forma, se esse tipo de medida for implementado, segundo Rosa Rolle, "elas devem se basear em dados sólidos para entender onde, por que e em que quantidade ocorrem a perda e o desperdício de alimentos. As soluções precisam ser fundamentadas em evidências científicas e adequadas ao contexto. Não existe uma solução única que funcione para todos."

Imagens | revi, Foerster,  Bobby Palm

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