Próspera: o que uma cidade idealizada por CEO da OpenAI e outros bilionários tem a ver com o perdão de Donald Trump a ex-presidente de Honduras

Como um experimento de cidade privada apoiado por magnatas da tecnologia se tornou peça de disputa geopolítica — e parte da justificativa para o perdão de Donald Trump ao ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández

Crédito de imagem: Jorge Cabrera/Getty Images
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João Paes

Redator
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João Paes

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Escreve sobre tecnologia, games e cultura pop há mais de 10 anos, tendo se interessado por tudo isso desde que abriu o primeiro computador (há muito mais de 10 anos). 

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O perdão concedido por Donald Trump ao ex-presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández — condenado nos EUA por tráfico internacional de drogas — parecia, à primeira vista, mais um capítulo da longa lista de indultos controversos do ex-presidente dos EUA. Mas o caso vai além do gesto político em meio às eleições hondurenhas e das tensões ideológicas na região. O que emerge por trás do indulto é o interesse de uma rede de aliados de Trump, figuras do movimento MAGA e bilionários do Vale do Silício em um projeto específico: Próspera, a cidade privada construída na ilha de Roatán e considerada uma das iniciativas mais radicais do conceito de Network State.

Idealizada por investidores como Peter Thiel, por entusiastas da teoria das cidades autônomas como Balaji Srinivasan, e por nomes influentes do mundo da tecnologia — incluindo Sam Altman, CEO da OpenAI — Próspera é um experimento político, econômico e cultural. Um laboratório que desperta entusiasmo entre libertários e vigilância entre governos. E agora, um elemento inesperado no tabuleiro da política externa dos EUA.

O que é Próspera?

Próspera nasceu dentro das chamadas Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico (ZEDEs), criadas durante a presidência de Juan Orlando Hernández como áreas semiautônomas, onde investidores poderiam definir suas próprias regras fiscais, trabalhistas e regulatórias. Inspiradas em conceitos de “charter cities”, essas zonas foram vendidas como um ambiente de inovação extrema — e criticadas como um novo tipo de enclave privado em território nacional.

A versão mais ambiciosa dessas zonas foi justamente Próspera, projetada para funcionar como uma “cidade startup”, com autonomia administrativa e regulatória, governança própria e independência parcial do Estado hondurenho. Seus idealizadores apresentavam o projeto como a “Hong Kong do Caribe”: impostos reduzidos, legislação customizada, tribunais independentes e abertura para moedas digitais.

Crédito de imagem: Economic Development Platform/Internet Uma das imagens conceituais de como seria a cidade controlada por bilionários

Com investimento de Thiel, Srinivasan, Andreessen e apoio de fundos como a Pronomos Capital — fundada por David Friedman, filho de Milton Friedman (economista e estatístico americano que recebeu o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 1976) — Próspera prometia abrigar desde centros de pesquisa em longevidade e clínicas experimentais até hubs de cripto e construções futuristas desenhadas pelo estúdio de Zaha Hadid. A cidade afirma ter hoje cerca de 2.000 habitantes físicos e “ digitais” e espera chegar a 38 mil até 2030.

Mas o projeto sempre esteve sob fogo interno. Assim que assumiu, a presidente Xiomara Castro revogou a lei que sustentava as ZEDEs, acusando-as de violar a soberania hondurenha. Próspera reagiu com uma disputa bilionária contra o governo e acusações de perseguição política. E é nesse contexto que o indulto a Hernández ganha nova camada.

O perdão político de Trump

Hernández foi condenado por conspirar para enviar mais de 400 toneladas de cocaína para os EUA. Sua sucessora desmantelou a estrutura legal que permitia as ZEDEs, abalando os interesses dos investidores ligados a Próspera. A reversão das zonas especiais e o congelamento regulatório transformaram o futuro da cidade em incerteza — e geraram uma disputa judicial de US$ 11 bilhões contra o Estado hondurenho.

O perdão de Trump não veio apenas como gesto político. Segundo uma reportagem do Wall Street Journal, figuras próximas ao ex-presidente — como Roger Stone (lobista muito influente nos EUA) — defenderam o indulto como uma forma de “salvar uma cidade de liberdade em Honduras” e impedir o avanço da esquerda. Para Stone, preservar Próspera teria “implicações estratégicas para o futuro da liberdade no mundo”.

A ação também interessava à ala libertária ligada ao Vale do Silício, que via a sobrevivência da ZEDE como garantidora do experimento de Network State: comunidades privadas autossustentadas, financiadas por bilionários, com leis próprias e independentes de Estados-nação tradicionais.

Com o avanço eleitoral do conservador Nasry Asfura — aliado de Hernández e favorito de Trump — a sobrevivência do modelo de Próspera se tornou uma pauta de campanha informal para a direita norte-americana, que via nas ZEDEs uma plataforma para seus próprios projetos de “freedom cities”, ideia anunciada por Trump para construir cidades corporativas em solo americano.

Assim, a decisão de perdoar Hernández se conecta a muito mais do que alianças políticas. Ela também atende a uma agenda de aliados poderosos interessados no futuro de Próspera — e no próprio avanço do conceito de Estados em rede, nos quais corporações e investidores funcionam como arquitetos de novos modelos de soberania.



Créditos de imagens: Jorge Cabrera/Getty Images, Economic Development Platform/Internet


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