Na semana passada, ocorreu o que os EUA vinham buscando desde que Trump foi reeleito presidente: Washington chegou a um acordo sobre o acesso e a exploração de minerais estratégicos e terras raras da Ucrânia. Com isso, os EUA obtêm direitos preferenciais e capacidade de investimento sobre os recursos naturais da nação (incluindo titânio, zircônio, grafite, gás, petróleo e manganês) dentro de um marco que pretende impulsionar a reconstrução do país devastado pela guerra, sem impor dívidas a Kiev. Por sua vez, os EUA reativaram a ajuda no conflito.
Um novo pacto
O principal instrumento será o denominado Fundo de Investimentos para a Reconstrução Estados Unidos–Ucrânia, uma entidade binacional com representação igual de ambas as partes, que gerenciará novas licenças sem afetar empresas preexistentes ou orçamentos já comprometidos. Para as autoridades ucranianas, o acordo representa uma aliança baseada em investimentos, tecnologia e autonomia compartilhada, não em subordinação econômica.
Um dos elementos mais chamativos do pacto é a eliminação explícita de qualquer tipo de obrigação de dívida da Ucrânia para com os EUA. Esse gesto dissipa, a princípio, as críticas recorrentes de Trump sobre a “falta de retribuição” pela assistência militar dos EUA, que o presidente havia calculado em 350 bilhões de dólares (número que destoa do apurado por outros órgãos).
A ministra da Economia ucraniana, Yulia Svyrydenko, ressaltou que o acordo não altera o status legal das empresas públicas ou privadas do setor extrativo e que as receitas do fundo serão provenientes exclusivamente de novas licenças, garantindo que os fundos públicos atuais não serão tocados.
Tecnologia e dissuasão
Embora o acordo não detalhe compromissos explícitos em termos de ajuda militar, tanto a narrativa oficial quanto as declarações políticas já indicavam uma renovada disposição de apoio por parte da administração Trump. Para Zelensky, o acordo abre portas para fluxos sustentados de investimento e transferência tecnológica, não apenas para o desenvolvimento econômico, mas também para fins defensivos. Svyrydenko indicou que os EUA ajudarão a atrair tecnologias-chave para apoiar a luta contra a Rússia, com possibilidades abertas para projetos como sistemas de defesa aérea. Trata-se, portanto, de uma mudança substancial.
De Washington, a mensagem é inequívoca: o acordo também é um instrumento de pressão estratégica e de alinhamento firme frente a Moscou. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, declarou que a assinatura representa um sinal claro ao Kremlin de que os EUA apostam a longo prazo em uma Ucrânia livre, soberana e próspera. Trump, por sua vez, defendeu o pacto como uma forma de proteger o investimento americano e reforçar a posição ucraniana frente a uma Rússia “muito maior e mais poderosa”.
O primeiro "pacote", de fato, já está a caminho.
F-16 inutilizáveis
Sim, os EUA começaram a enviar para a Ucrânia caças F-16 desativados e não operacionais, armazenados no famoso "boneyard" do Arizona. A ideia central é que sejam utilizados como fonte de peças de reposição cruciais para a crescente frota de F-16 doados por países europeus. O gesto, confirmado pela Força Aérea dos Estados Unidos após o surgimento de imagens que mostravam fuselagens envoltas e parcialmente desmontadas sendo carregadas em um An-124 ucraniano em Tucson, marca uma nova etapa na complexa logística de manutenção exigida para o uso desses caças veteranos ocidentais em combate ativo contra a Rússia.
Os aviões enviados carecem de componentes essenciais como motores, radares ou asas, o que os torna inutilizáveis para voo, mas seu valor está nas peças que ainda conservam, muitas das quais estão ficando escassas na Europa. O transporte, com destino a Rzeszów-Jasionka, o centro logístico chave no sudeste da Polônia para o trânsito de ajuda militar para a Ucrânia, reforça a hipótese de que esses F-16 serão integrados no sistema de suporte e não no inventário operacional.
Uma frota internacional
Estima-se que a Ucrânia receberá até 85 F-16 em condições de voo: 24 dos Países Baixos, 19 da Dinamarca, 12 da Noruega (que também doará 10 adicionais exclusivamente para peças de reposição) e 30 prometidos pela Bélgica. No entanto, parte desses aviões será destinada ao treinamento de pilotos no Centro de Formação de F-16 na Romênia, o que reduz ainda mais a disponibilidade direta para o combate.
Diante da perda de unidades no front (dois caças já foram derrubados, com a morte de seus pilotos em missões defensivas) e da dificuldade logística de manter uma frota de aeronaves antigas operando, o fornecimento de fuselagens desmontadas dos Estados Unidos representa um alívio estratégico em termos de manutenção, embora não amplie a capacidade ofensiva direta.
Os F-16 ucranianos foram implantados tanto em missões ar-ar quanto ar-terra, utilizando mísseis AIM-9X e AIM-120 AMRAAM para defesa aérea, além de bombas guiadas GBU-39/B montadas em racks BRU-61, o que lhes confere uma capacidade cirúrgica de ataque em profundidade.
Também foram vistas configurações com três tanques externos de combustível, necessários para maximizar a autonomia em caso de ausência de reabastecimento aéreo, e sistemas de guerra eletrônica como o AN/ALQ-131, que reforçam a sobrevivência em ambientes hostis. As unidades incluem melhorias eletrônicas internas especializadas em detecção de ameaças e implantação de contramedidas.
Cemitério de caças como fonte vital
A base Davis-Monthan, onde está localizado o “boneyard” oficial da Força Aérea, ainda conserva centenas de fuselagens de F-16 em estado variável. São 150 do modelo A, 27 do B, 143 do C e 22 do D, embora grande parte deles também não seja apta para voltar a voar.
Muitos dos exemplares reutilizáveis foram desviados para funções como aviões agressor para a Marinha e a Força Aérea ou convertidos em alvos aéreos QF-16 para treinamento. Além disso, esse esgotamento progressivo das reservas utilizáveis fez com que até os EUA estivessem estendendo a vida útil dos F-16 em serviço ativo, enquanto resiste, por enquanto, à ideia de entregar unidades capazes de voar à Ucrânia.
Suprimentos limitados
Além disso, a lentidão na entrega dos F-16 por parte de aliados europeus, como reconheceu a Bélgica, deve-se em grande parte à escassez de peças de reposição. A demanda técnica que envolve colocar esses caças em operação (ainda mais em uma força aérea anteriormente estruturada em torno de plataformas soviéticas) torna a chegada de partes uma necessidade urgente.
A frota ucraniana não só precisa absorver a nova tecnologia e formação tática, mas também se adaptar a um esquema de manutenção completamente diferente, sem contar com a infraestrutura ou a experiência acumulada pelas nações da OTAN. Visto dessa forma, essas fuselagens “cadáver” que chegam do Arizona, por mais modestas que pareçam, se transformam em uma ferramenta vital para manter a operacionalidade dos caças que realmente estão no ar.
Em resumo, embora essas aeronaves Made in USA nunca decolarem sozinhas, sua utilidade reside em garantir que outras o façam, em um conflito onde cada missão aérea representa uma linha de defesa frente às crescentes capacidades de mísseis e caças russos.
A chegada dessas peças, somada ao desdobramento de armamentos sofisticados e sistemas de guerra eletrônica, sugere que, além do número de aviões, o verdadeiro desafio (e possivelmente o terreno decisivo) será a capacidade ucraniana de mantê-los operacionais, abastecidos e eficazes em um cenário cada vez mais exigente. Nesse contexto, a contribuição dos Estados Unidos, embora indireta, ganha um valor estratégico essencial.
Imagem | US Air Defense
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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