Esta família italiana resolveu viver apenas com painéis solares, água de poço e uma horta; parecia ótimo, até que o tribunal tirou seus filhos

A vida off-grid cresce na Europa, mas não está isenta de limites legais: escolarização, salubridade e permissões podem fazer a diferença

Viver off-grid / Imagem: unsplash
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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No alto de uma floresta em Abruzzo, na Itália, uma casa de pedra permanece agora em silêncio. Até poucas semanas atrás, aquele lugar era o refúgio autossuficiente de Nathan Trevallion, Catherine Birmingham e seus três filhos. Mas, há alguns dias, um juiz decidiu retirar as crianças devido à família viver desconectada da rede, sem escolarização e em um ambiente considerado insalubre.

A decisão desencadeou um incêndio político e social na Itália. O que, para a família, era um projeto de vida autossuficiente — painéis solares, água de poço, banheiro compostável, horta — se transformou em um caso judicial com enorme repercussão internacional.

A história, porém, vai além de uma decisão de um tribunal italiano. É o sintoma de algo maior: um movimento crescente na Europa de famílias e comunidades que buscam sair do sistema urbano, desconectar-se da rede elétrica e viver de forma autossuficiente. Até onde vai a liberdade de escolher esse estilo de vida? E onde começa a intervenção do governo, sobretudo quando há menores envolvidos?

O caso que dividiu a Itália

A família, de origem australiana e britânica, vivia desde 2021 em uma floresta em Palmoli. A casa era precária, mas, segundo eles, suficiente: eletricidade com painéis solares, água de poço e uma área de compostagem externa como banheiro. No outono de 2024, todos foram hospitalizados por intoxicação acidental por cogumelos. Esse episódio acionou o alerta dos serviços sociais. Segundo publicou o jornal Corriere della Sera, um relatório técnico descreveu a moradia como uma "ruína" e "sem condições adequadas para menores".

Foi então que os serviços sociais intervieram. A falta de escolarização dos menores, a ausência de acompanhamento pediátrico e o isolamento quase total em que a família vivia acionaram todos os alertas. Com base nesses relatórios, um tribunal de L’Aquila ordenou, em novembro, a retirada da autoridade parental e a transferência das crianças para um centro, onde a mãe pôde permanecer com elas.

A decisão provocou um verdadeiro terremoto político, no qual dirigentes políticos e várias associações judiciais denunciaram pressões do governo. Paralelamente, mais de 150.000 pessoas assinaram petições online pedindo que os menores voltassem para os pais.

Off-grid: do sonho bucólico ao fenômeno global

Para entender o contexto, basta abrir o Instagram. Como explica a revista Ethic, basta o algoritmo detectar algum interesse por autossuficiência para encher o feed com vídeos de famílias desidratando sua própria comida, mulheres exibindo suas vans reformadas e casais que vivem meio ano do que cultivam e coletam. A vida off-grid ou “autossuficiente” tornou-se estética, filosofia e até aspiração de desconexão emocional.

Mas também é política. O mesmo veículo lembra que uma pequena parte do movimento surge de grupos “sovereign citizen”, que rejeitam a autoridade do Estado. São minoritários, mas existem. A maioria, porém, opta pelo off-grid por motivos de sustentabilidade, trabalho remoto, busca de autonomia ou reação à crise climática. Também por medo: há comunidades — como a ecoaldeia de Tamera, em Portugal — que se preparam para um possível colapso do modelo atual. Na Suécia e na Finlândia, os governos divulgaram guias oficiais para se preparar diante de cenários extremos.

A Espanha não fica atrás

O movimento off-grid já não é coisa de ecoaldeias hippies dos anos 90: hoje, ele é adotado por engenheiros, pessoas em home office, famílias urbanas sufocadas pelo custo de vida e estrangeiros do norte da Europa que buscam autonomia e natureza. No vale de Karrantza (Espanha), por exemplo, uma família deixou a cidade para produzir sua própria energia e cultivar seus alimentos, um modelo que se repete no País Basco, Cantábria ou no interior da Espanha, onde muitos optam por soluções híbridas — painéis solares, fogões a lenha e reaproveitamento de água — combinadas com escola pública e vida comunitária.

Ao mesmo tempo, ecoaldeias como Matavenero, Lakabe e Arterra Bizimodu, segundo o elDiario.es, consolidam uma repopulação rural baseada em sustentabilidade e autogestão. A essa tendência, soma-se a chegada de novos off-griders estrangeiros. Como aponta o site Euroweekly, cada vez mais famílias britânicas, alemãs ou neerlandesas compram fazendas na Catalunha, na Alpujarra ou em Castellón para se desconectar da rede. O que buscam — custo de vida mais baixo, home office, autonomia ou simplesmente outra forma de viver — vem com um preço: conviver com javalis, tempestades e uma burocracia nada pequena.

Um movimento que não para de crescer

Cada vez mais pessoas enxergam no campo uma alternativa para fugir dos aluguéis, buscar mais autonomia e, simplesmente, reconectar-se com o tempo. A autossuficiência já não é utopia, e sim alternativa. Mas o caso italiano deixa claro que se desconectar da rede não é o mesmo que se desconectar da lei. O equilíbrio entre liberdade individual e proteção de menores será, provavelmente, um dos debates sociais deste novo ciclo rural.

Em um mundo saturado de telas, ruídos e contas, talvez a pergunta não seja por que tantas pessoas fogem para as montanhas, mas o que as está expulsando das cidades. Enquanto isso, entre famílias que secam alimentos ao sol, ecoaldeias que fazem assembleias e casais britânicos que montam yurts, a Espanha está se tornando, quase sem alarde, um dos novos laboratórios europeus da vida off-grid.

Imagem | Unsplash

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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