O envelhecimento do Japão atingiu o fundo do poço com um fato devastador: cada vez mais idosos querem viver na prisão

Sabia-se que o número de idosos que preferiam a opção de prisão estava aumentando. Esse fenômeno se espalhou também entre as mulheres.

Envelhecimento no Japão dentro das prisões. Imagem: Itoldya, 663highland
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Sofia Bedeschi

Redatora
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Sofia Bedeschi

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Jornalista com mais de 5 anos de experiência, gamer desde os 6 e criadora de comunidades desde os tempos do fã-clube da Beyoncé. Hoje, lidero uma rede gigante de mulheres apaixonadas por e-Sports. Amo escrever, pesquisar, criar narrativas que fazem sentido e perguntar “por quê?” até achar uma resposta boa (ou abrir mais perguntas ainda).

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Que o Japão vive imerso em uma crise demográfica marcada pelo envelhecimento da população é indiscutível, mas poucos dados aproximam-nos tanto do problema quanto os divulgados nos últimos dias. Em 1990, os crimes cometidos por japoneses com mais de 60 anos não chegavam a 5% do total, de acordo com a Agência Nacional de Polícia.

Esse percentual aumentou, superando 20 pontos percentuais nos últimos anos, com um crescimento de 450%. Recentemente, soubemos que os idosos do país encontraram nesses crimes uma forma de garantir um lar e assistência social gratuita.

A situação se agravou.

Contexto

Como contamos na época, esses crimes, que não paravam de aumentar, eram pequenos furtos, e a razão parecia clara. Em muitos lugares, o furto, como por exemplo, o roubo de um sanduíche de 200 ienes, pode gerar uma sentença de prisão de até dois anos. Dessa forma, os idosos encontraram essa alternativa para garantir um lar e assistência social gratuita: a prisão.

Por trás disso, muitos idosos no Japão optaram por esse caminho para não passar seus últimos anos de vida sozinhos e sem recursos financeiros. Isso estava gerando uma onda de crimes inéditos, sendo que quase 40% dos furtos eram cometidos por pessoas com mais de 60 anos. Quase o dobro do que ocorria uma década atrás.

O problema da solidão nas mulheres

Mas o problema não era exclusivo dos homens, é claro. O envelhecimento da população no Japão gerou sérios desafios sociais, especialmente no que se refere à solidão e à pobreza das pessoas idosas, o que levou a um novo fenômeno preocupante: as mulheres idosas também preferem a prisão à vida em liberdade.

Casos como o da prisão feminina de Tochigi, onde a população envelhecida reflete um problema social generalizado no país, e onde a falta de apoio familiar e as dificuldades econômicas transformaram as prisões em um refúgio para muitas que enfrentam exclusão e desespero no exterior.

A prisão como refúgio

A CNN contou neste fim de semana que, dentro de Tochigi, a vida na prisão oferece uma estabilidade que muitas dessas mulheres não encontram na sociedade. Lá, elas recebem três refeições por dia, atendimento médico gratuito e companhia, algo difícil de obter fora dos muros da prisão.

Muitas das internas, como Akiyo, de 81 anos, reincidem em crimes menores, como o furto de alimentos, devido à precária situação econômica. Akiyo, que foi encarcerada pela segunda vez após roubar alimentos quando sua pensão não era suficiente, reconhece que sua decisão foi motivada pela desesperança e pela falta de apoio familiar.

O caso de Akiyo é representativo de uma tendência crescente, onde mulheres idosas veem a prisão como uma opção mais estável do que a incerteza econômica no exterior.

Fatores para reincidir

Como mencionamos, o furto é o crime mais comum entre as mulheres idosas encarceradas no Japão. Os dados oficiais indicam que, em 2022, mais de 80% das presas idosas foram encarceradas por furto, na maioria das vezes devido à necessidade econômica ou à falta de opções de sustento. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), 20% das pessoas com mais de 65 anos no Japão vivem na pobreza, um número superior à média de 14,2% dos países membros.

É por isso que muitas mulheres idosas deliberadamente cometem crimes menores para serem presas e retornar à prisão, onde encontram um refúgio diante da insegurança econômica e da falta de atendimento médico na liberdade. Em outras palavras, a prisão se tornou para algumas uma espécie de lar seguro, onde podem receber os cuidados básicos que não conseguem pagar fora dos muros do cárcere.

O desafio da reintegração

Esse é outro aspecto importante a ser tratado. Um dos maiores problemas enfrentados pelas autoridades japonesas é a falta de apoio para os idosos assim que saem da prisão. Muitas ex-presidiárias não têm redes de apoio familiar e se encontram isoladas, o que aumenta a probabilidade de reincidência.

As iniciativas governamentais já reconhecem essa problemática, com o Ministério da Justiça implementando programas de apoio para ajudar as ex-detentas a viver de forma independente, superar dependências e/ou reconstruir relações familiares. No entanto, a efetividade dessas iniciativas continua incerta, em um contexto de envelhecimento acelerado da população e escassez de recursos.

A adaptação de um idoso na prisão

Diante do crescente número de detentas idosas, as prisões japonesas tiveram que adaptar seus serviços, transformando-se em espaços cada vez mais parecidos com lares de idosos. Em Tochigi, por exemplo, o pessoal penitenciário implementou mudanças significativas para atender às necessidades dessa população, desde assistência na higiene pessoal até o fornecimento de equipamentos médicos especializados.

Foi até necessário recorrer a detentas mais jovens, como Yoko, de 51 anos, que obteve uma certificação em enfermagem durante uma de suas condenações e agora ajuda outras presas nas suas atividades diárias. De certa forma, a prisão assumiu um duplo papel: ser um centro de reclusão e, ao mesmo tempo, um espaço de assistência geriátrica.

O futuro e os desafios

Como temos relatado nos últimos meses, o Japão enfrenta um desafio demográfico sem precedentes. Com uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo e uma alta esperança de vida, estima-se que, até 2040, serão necessários pelo menos 2,72 milhões de trabalhadores de cuidados para atender à crescente população idosa.

Em resposta, o governo japonês implementou medidas para fomentar a contratação de trabalhadores da saúde e atrair mão de obra estrangeira para preencher as lacunas do setor. Contudo, a necessidade de soluções integradas que abordem tanto o aspecto econômico quanto o social continua sendo um desafio crucial.

O fenômeno das mulheres idosas que recorrem à prisão, assim como o fenômeno dos homens que vem ocorrendo há vários anos, é uma resposta à solidão e à pobreza que refletem a magnitude da crise. Uma espécie de distopia, onde o governo japonês também foi forçado a construir novas salas de prisão, com um investimento de mais de 246 milhões de reais, espaços para abrigar esses milhares de idosos encarcerados. Prisões convertidas, essencialmente, em geriátricos.

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