Imagine descer até algumas das regiões mais inóspitas do oceano e encontrar… vida! Mas não uma vida qualquer: criaturas microscópicas prosperando dentro de uma “meleca vulcânica” azul, tão alcalina que sua acidez é equivalente à de produtos de limpeza. Pois foi exatamente isso que uma equipe da Universidade de Bremen descobriu no Mar das Marianas, um dos lugares mais profundos e extremos do planeta.
O material em questão — um tipo de lama expelida por vulcões subterrâneos — registrou pH 12, um dos valores mais altos já vistos em um ecossistema funcional. Ainda assim, mesmo nesse ambiente que pareceria completamente hostil a qualquer forma de vida, pesquisadores encontraram sinais claros de extremófilos, microrganismos capazes de sobreviver no limite daquilo que entendemos como possível.
A descoberta foi feita durante a expedição SO 292/2, realizada em 2022 pelo navio de pesquisa alemão Sonne. Desde 2014, a embarcação opera no Pacífico e no Índico, coletando amostras geológicas, medindo processos geodinâmicos e investigando fenômenos atmosféricos. Mas desta vez, foi no arco de Marianas — uma zona marcada por intensa atividade sísmica e vulcões de lama — que a ciência encontrou seu novo tesouro bizarro.
Esses vulcões de lama têm uma função única: eles trazem à superfície material vindo de zonas de subducção, lugares tão profundos e inacessíveis que sequer podemos observar diretamente. Estudar a lama expelida por eles é, portanto, uma janela rara para um mundo subterrâneo que alimenta terremotos, tsunamis e processos geológicos essenciais para o planeta.
E a fauna microscópica desse ambiente não poderia ser mais peculiar. Como o pH extremo e a falta de nutrientes tornam tudo quase estéril, encontrar células vivas exigiu métodos de detecção altamente sensíveis. Em vez de buscar organismos inteiros, a equipe recorreu a biomarcadores lipídicos — gorduras residuais que revelam a presença de formas de vida, tanto recentes quanto antigas. Algumas moléculas estavam intactas, indicando micróbios vivos ou recém-mortos; outras já haviam se transformado em geomoléculas, um tipo de fóssil químico.
O estudo aponta para comunidades microbianas especializadas em metabolizar metano e sulfato, adaptando-se de forma muito diferente dos micróbios típicos do fundo do mar. Enquanto a maioria participa ativamente do ciclo global do carbono, esses extremófilos vivem isolados do oceano superior, tirando energia diretamente dos minerais das rochas — uma estratégia tão primitiva que pode refletir o modo como a vida surgiu na Terra.
“É fascinante ver que a vida consegue prosperar nessas condições extremas”, destaca a pesquisadora Florence Schubotz, coautora do estudo. Para ela, esse tipo de ambiente pode ser um dos melhores análogos modernos para os cenários de origem da vida bilhões de anos atrás.
O próximo passo dos cientistas é cultivar esses micróbios em laboratório, tentando entender seus limites metabólicos e o que exatamente permite que sobrevivam onde praticamente nada mais conseguiria. A pesquisa completa foi publicada em 13 de agosto de 2025, na Communications Earth & Environment.
Crédito de imagem: SO292/2 Expedition Science Party
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