Há um século, ser analfabeto significava não saber ler ou escrever. Nos países desenvolvidos, esse problema agora é residual. Mas outro tipo de analfabetismo está surgindo. Mais sutil, mais difícil de detectar, com mais nuances e talvez tão decisivo quanto: não saber interagir com a IA.
Essa nova alfabetização não se trata de saber programar ou entender como os modelos funcionam. É algo mais básico: saber fazer boas perguntas, saber ler as respostas e, acima de tudo, saber desconfiar. Não de forma paranoica, mas com critério. Distinguir quando estamos usando a IA... e quando a IA está nos usando.
É a diferença entre ser um usuário passivo da IA — alguém que engole sem mastigar — e usá-la como uma alavanca para o pensamento, como uma extensão da nossa capacidade de análise. Porque, bem utilizada, pode ser exatamente isso: um multiplicador cognitivo.
Uma enorme diferença está em jogo aí:
- Algumas pessoas usam esses sistemas como se fossem um Google vitaminado ou uma calculadora com esteroides. Ele faz uma pergunta, copia a resposta e pronto.
- Outras pessoas — cada vez mais — estão aprendendo a conversar com eles. A expandir seus limites. Para gerar ideias que nem a máquina sozinha nem eles sozinhos teriam sido capazes de produzir.
A chave não é a ferramenta, mas como você a usa. E para isso, é preciso ter conhecimento em IA.
A questão vai além de quem faz o quê com o ChatGPT. Sistemas como o Deep Research estão começando a automatizar tarefas que, até recentemente, eram a porta de entrada para muitas profissões. Relatórios, resumos, análises preliminares... Exatamente aquele tipo de trabalho que servia para treinar, para entender o ofício por dentro. Se você atribuir isso a um modelo, como aprender a pensar como um especialista?
Esse é o buraco negro iminente em muitas empresas. Se você automatizar tarefas de treinamento, como vai treinar novos? Se não redesenharmos bem — e rapidamente — como a experiência é transmitida, poderemos ter gerações inteiras sem base real. Pessoas com diplomas, mas sem critérios.
E não só isso: esse novo analfabetismo pode ser hereditário. Assim como pais que não leram não criaram filhos leitores, aqueles que não sabem usar bem essas ferramentas dificilmente ensinarão a usá-las. O aprendizado estará nas mãos da escola... ou do algoritmo.
O paradoxo é que tudo isso está muito bem disfarçado. Alguém pode gerar um relatório brilhante, uma apresentação perfeita, uma análise aparentemente sólida... sem qualquer compreensão profunda. Basta que saiba pedir bem.
O risco não é apenas a imposição da mediocridade. É simplesmente que ninguém perceba. Como Antonio Ortiz vem alertando, o verdadeiro problema não é que a IA pense por nós. É que, aos poucos, deixamos de pensar por nós mesmos e nossa atrofia começa.
É por isso que a verdadeira alfabetização digital do futuro não será técnica. Será ética, crítica, cognitiva. Saber quando pedir à IA para pensar por você.
E, acima de tudo, quando dizer não.
Imagem em Destaque | Xataka
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