Novo analfabetismo não se trata de saber ler ou escrever: trata-se de usar a IA como um oráculo e não como uma ferramenta

Não saber programar não é o problema: novo analfabetismo consiste em usar a IA a partir de uma indicação vaga, como um Google ou uma calculadora vitaminados

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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

Há um século, ser analfabeto significava não saber ler ou escrever. Nos países desenvolvidos, esse problema agora é residual. Mas outro tipo de analfabetismo está surgindo. Mais sutil, mais difícil de detectar, com mais nuances e talvez tão decisivo quanto: não saber interagir com a IA.

Essa nova alfabetização não se trata de saber programar ou entender como os modelos funcionam. É algo mais básico: saber fazer boas perguntas, saber ler as respostas e, acima de tudo, saber desconfiar. Não de forma paranoica, mas com critério. Distinguir quando estamos usando a IA... e quando a IA está nos usando.

É a diferença entre ser um usuário passivo da IA ​​— alguém que engole sem mastigar — e usá-la como uma alavanca para o pensamento, como uma extensão da nossa capacidade de análise. Porque, bem utilizada, pode ser exatamente isso: um multiplicador cognitivo.

Uma enorme diferença está em jogo aí:

  • Algumas pessoas usam esses sistemas como se fossem um Google vitaminado ou uma calculadora com esteroides. Ele faz uma pergunta, copia a resposta e pronto.
  • Outras pessoas — cada vez mais — estão aprendendo a conversar com eles. A expandir seus limites. Para gerar ideias que nem a máquina sozinha nem eles sozinhos teriam sido capazes de produzir.

A chave não é a ferramenta, mas como você a usa. E para isso, é preciso ter conhecimento em IA.

A questão vai além de quem faz o quê com o ChatGPT. Sistemas como o Deep Research estão começando a automatizar tarefas que, até recentemente, eram a porta de entrada para muitas profissões. Relatórios, resumos, análises preliminares... Exatamente aquele tipo de trabalho que servia para treinar, para entender o ofício por dentro. Se você atribuir isso a um modelo, como aprender a pensar como um especialista?

Esse é o buraco negro iminente em muitas empresas. Se você automatizar tarefas de treinamento, como vai treinar novos? Se não redesenharmos bem — e rapidamente — como a experiência é transmitida, poderemos ter gerações inteiras sem base real. Pessoas com diplomas, mas sem critérios.

E não só isso: esse novo analfabetismo pode ser hereditário. Assim como pais que não leram não criaram filhos leitores, aqueles que não sabem usar bem essas ferramentas dificilmente ensinarão a usá-las. O aprendizado estará nas mãos da escola... ou do algoritmo.

O paradoxo é que tudo isso está muito bem disfarçado. Alguém pode gerar um relatório brilhante, uma apresentação perfeita, uma análise aparentemente sólida... sem qualquer compreensão profunda. Basta que saiba pedir bem.

O risco não é apenas a imposição da mediocridade. É simplesmente que ninguém perceba. Como Antonio Ortiz vem alertando, o verdadeiro problema não é que a IA pense por nós. É que, aos poucos, deixamos de pensar por nós mesmos e nossa atrofia começa.

É por isso que a verdadeira alfabetização digital do futuro não será técnica. Será ética, crítica, cognitiva. Saber quando pedir à IA para pensar por você.

E, acima de tudo, quando dizer não.

Imagem em Destaque | Xataka

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