No Japão, há tantos trabalhadores que não conseguem pedir demissão que já existem empresas especializadas em fazer isso por eles; agora, começa a alta temporada desses serviços

  • As empresas especializadas em pedir demissão no lugar dos funcionários chegam a receber até 150 solicitações por dia.

  • A raiz do problema está profundamente ligada à cultura de trabalho japonesa.

Empresas japonesas pedem demissão. Imagem:  Don Fontijn
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência, gamer desde os 6 e criadora de comunidades desde os tempos do fã-clube da Beyoncé. Hoje, lidero uma rede gigante de mulheres apaixonadas por e-Sports. Amo escrever, pesquisar, criar narrativas que fazem sentido e perguntar “por quê?” até achar uma resposta boa (ou abrir mais perguntas ainda).

Se por aqui estamos às vésperas da Semana Santa, no Japão eles também se preparam para um feriado prolongado parecido. Lá, trata-se da Golden Week (Semana Dourada), que acontece no fim de abril.

Mas o que chama atenção nem é tanto a coincidência de datas — e sim o que vem logo depois: a chamada “doença de maio”, um fenômeno que, ano após ano, coloca o sistema de trabalho japonês em alerta.

Embora a tradução literal seja “doença de maio”, o nome original do fenômeno é gogatsubyō. Como você já deve ter imaginado, trata-se de um tipo de síndrome pós-férias, que costuma trazer dois efeitos marcantes na população japonesa: o aumento dos quadros de depressão e o crescimento expressivo dos pedidos de demissão — com pagamento envolvido.

No Japão, as pessoas pagam para conseguir sair do emprego

Pode parecer surreal pra gente, mas no Japão é cada vez mais comum contratar uma empresa especializada para pedir demissão no seu lugar. Principalmente depois da Golden Week, esse tipo de serviço entra em alta: algumas dessas empresas chegam a receber até 150 pedidos por dia. Ao longo da temporada, o volume pode alcançar 11 mil solicitações.

O serviço não é barato

Os valores variam entre 20 mil e 50 mil ienes — o equivalente a algo entre R$2.000 - R$3.000,00. Em troca, a empresa contratada entra em contato com o empregador, comunica a saída do funcionário, negocia os termos da demissão e ainda oferece suporte caso a situação se complique.

Sim, tudo isso para sair de forma voluntária do trabalho — seja qual for o motivo.

O problema vai muito além de pedir demissão

A raiz dessa questão está profundamente enraizada na cultura de trabalho japonesa — uma combinação entre a exaltação extrema da lealdade e uma relação, muitas vezes, tóxica entre empregado e empregador. Isso faz com que, para muitos trabalhadores, o simples ato de pedir demissão gere um nível real de estresse.

Em alguns casos, esse desconforto é tão grande que o funcionário prefere continuar infeliz no emprego. Em outros, ainda mais extremos, há relatos de chefes que chegam a rasgar cartas de demissão para evitar ter que lidar com o desligamento de um funcionário.

Somado a isso, estão as jornadas exaustivas. Cerca de 20% dos trabalhadores japoneses entre 30 e 40 anos trabalham entre 49 e 59 horas por semana — sem qualquer tipo de pagamento adicional. E outros 15% ultrapassam as 60 horas semanais.

O resultado é uma verdadeira tempestade perfeita: não só essa cultura impacta diretamente a saúde mental dos japoneses, como também contribui para um número alarmante de suicídios relacionados ao trabalho, que giram em torno de 3 mil casos por ano.

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