Tendências do dia

Mitos desfeitos: como era viver com síndrome de down na Idade Média? Estudos revelam e a verdade não é nada do que imaginávamos

Eram chamados de "almas abençoadas", mas o estigma nunca foi inexistente

Idade Média | Fonte: Getty Images
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
vika-rosa

Vika Rosa

Redatora
vika-rosa

Vika Rosa

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência, cobrindo os mais diversos temas. Apaixonada por ciência, tecnologia e games.


84 publicaciones de Vika Rosa

A concepção popular da Idade Média, alimentada por séculos de literatura e cinema, sugere que pessoas com Síndrome de Down (Trissomia do Cromossomo 21) teriam sido submetidas à crueldade, abandono ou ridicularização. No entanto, uma análise sob perspectivas arqueológicas, teológicas e jurídicas revela um panorama surpreendentemente diferente e complexo.

O registro histórico sobre a condição é limitado (a causa genética só foi explicada pela ciência em 1959), mas a abordagem do período medieval estava longe de ser um cenário de abandono. Fenômenos como a teologia das "almas abençoadas" e a legislação do Fatuus Naturalis oferecem uma resposta muito mais matizada sobre como era a vida dessas pessoas entre os séculos V e XV.

Crianças abençoadas e sepultamentos de honra

A primeira evidência que desafia a ideia de rejeição vem da arqueologia. A análise de túmulos medievais e pós-medievais na Europa, separados por séculos, mostra que os indivíduos com Síndrome de Down recebiam sepultamentos completamente normais, seguindo os padrões da época.

O cuidado demonstrado nos ritos funerários reflete uma continuidade histórica de integração e carinho por parte de suas famílias e comunidades.

A teologia reforçava essa aceitação:

  • "Les enfants du Bon Dieu": pessoas com deficiência intelectual eram reconhecidas como "os filhos de Deus" ou almas abençoadas.
  • Inocência: acreditava-se que elas eram puras e, devido à sua falta de plena compreensão, estavam protegidas de qualquer pecado.
  • Conforto familiar: prover para o filho não era visto como um fardo ou castigo divino, mas sim como um ato de caridade de cuidar de uma alma pura.

Existem até estudos que defendem a ideia de que rostos de pessoas com síndrome de down foram utilizados como inspiração para pinturas de anjos.

O lado sombrio: o mito do menino trocado

Apesar da norma parecer caminhar para a proteção e integração, a abordagem variava muito por região e classe social, e o estigma não era inexistente.

Especialmente no norte da Europa, o folclore oferecia uma alternativa sombria: o mito do "menino trocado" (Changeling). Acreditava-se que fadas, elfos ou demônios roubavam recém-nascidos e os substituíam por seres com cabeças deformadas e feições envelhecidas. 

Essa crença levava a consequências brutais, como o abandono das crianças em montes na esperança de que as fadas as devolvessem. No entanto, mesmo neste cenário de barbárie, existem relatos de crianças que acabaram sendo cuidadas e integradas à família.

A lei: Fatuus Naturalis e a proteção do Rei

Para além dos mitos, a Idade Média desenvolveu uma abordagem jurídica específica para a deficiência cognitiva. A legislação diferenciava:

  • Non Compos Mentis: aqueles que haviam perdido a sanidade por acidente ou doença.
  • Fatuus Naturalis: aqueles que nasciam com a condição e jamais a perderiam.

Após testes de aptidão, os indivíduos classificados como Fatuus Naturalis tinham o sustento básico garantido pelo Rei, recebendo comida, roupas e abrigo. Em troca, o monarca administrava suas terras até que um herdeiro pudesse reivindicá-las.

Embora o sistema legal estivesse sujeito à negligência e exploração, ele demonstra que a sociedade medieval concluiu que pessoas com deficiência intelectual deveriam ser cuidadas e protegidas por meios legais. Exemplos controversos, mas de conforto, também incluíam o papel do bobo da corte (jester) em castelos, que recebia regalias e boa vida. Em suas contradições, a Idade Média estava muito longe da noção preconcebida de abandono e desprezo.

Inicio