A Segunda Guerra Mundial é um terreno fértil para histórias grandiosas, dramas humanos e feitos heroicos. Mas, vez ou outra, ela também brinda a humanidade com relatos que parecem tirados de uma comédia involuntária — daquelas que só fazem sentido porque, bem, a guerra é absurda por natureza. E poucas histórias capturam tão bem esse espírito quanto a saga do submarino USS Skipjack, cuja tripulação enfrentou um inimigo inesperado: a escassez total de papel higiênico.
A história começa em julho de 1941, quando o submarino solicitou 150 rolos de papel higiênico ao USS Holland, navio de apoio responsável por suprimentos. Nada extravagante, nada fora do normal. Apenas o básico para manter a dignidade humana em um ambiente metálico, claustrofóbico e cercado de mares infestados de inimigos. Mas conforme os meses passavam — e o Skipjack mergulhava cada vez mais fundo no Pacífico —, os rolos nunca chegavam. Em seu lugar, só vinham munições, peças, combustível… tudo, menos o item essencial para a higiene mais básica.
Em março de 1942, quando o tenente-comandante James Coe assumiu o comando do submarino, descobriu que a tripulação já vivia uma rotina que só pode ser descrita como hedionda. Para piorar, Coe recebeu um documento informando que a requisição havia sido cancelada. Motivo? O fornecimento de papel higiênico — algo que qualquer marujo reconheceria a quilômetros — teria sido considerado “material não identificável”.
Para quem está acostumado a assinar documentos importantes no escritório, talvez isso soe apenas como uma piada. Mas, para quem está em um submarino, cercado de torpedos inimigos e a centenas de metros abaixo da superfície, qualquer pequena tragédia cotidiana se amplifica. E Coe, com um humor que só pode nascer em meio ao caos, decidiu responder à altura.
Sua carta oficial — escrita com toda a formalidade típica da Marinha dos EUA — é hoje tratada quase como uma relíquia histórica. Nela, Coe lista cada detalhe do fracasso logístico, explica educadamente que a tripulação “não conseguiu esperar em diversas ocasiões” e inclui até um “exemplo” do material requisitado. Sim: ele anexou um pedaço de papel higiênico à mensagem, como se estivesse ensinando um alienígena a identificar algo básico para qualquer ser humano.
Leia a tradução completa da carta:
USS SKIPJACK
11 de junho de 1942
De: Oficial Comandante Para: Oficial de Suprimentos, Navy Yard, Mare Island, Califórnia
Via: Commander Submarines, Southwest Pacific
Assunto: Papel Higiênico
Referência: (a) USS HOLLAND (5148) USS Skipjack req. 70-42 de 30 de julho de 1941. (b) SO NYMI
Fatura cancelada No. 272836
Encasamento: (1) Cópia da fatura cancelada (2) Amostra do material solicitado.
Este navio apresentou uma requisição de 150 rolos de papel higiênico em 30 de julho de 1941, ao USS HOLLAND. O material foi encomendado pelo HOLLAND ao Oficial de Suprimentos, Navy Yard, Mare Island, para entrega ao USS Skipjack.
O Oficial de Suprimentos, Navy Yard, Mare Island, em 26 de novembro de 1941, cancelou a Fatura de Mare Island No. 272836 com a notação carimbada “Cancelado---não pode ser identificado”. Esta fatura cancelada foi recebida por Skipjack em 10 de junho de 1942.
Durante os 11 meses e ¾ decorridos a partir do momento do pedido do papel higiênico e da data atual, o pessoal do Skipjack, apesar de seus melhores esforços para aguardar a entrega do material em questão, não conseguiu esperar em várias ocasiões, e a situação agora é bastante aguda, especialmente durante o ataque de carga de profundidade pelos “esfaqueadores”.
O Encasamento (2) é uma amostra do material desejado fornecido para a informação do Oficial de Suprimentos, Navy Yard, Mare Island. O Oficial Comandante, USS Skipjack, não pode deixar de se perguntar o que está sendo usado em Mare Island no lugar desse material não identificável, uma vez bem conhecido por esse comando.
O pessoal do Skipjack durante este período se acostumou ao uso de “ersatz”, ou seja, a vasta quantidade de papelada não essencial que chega e, ao fazê-lo, sente que o desejo do Comando de navios para a redução do trabalho de papel está sendo cumprido, matando efetivamente dois coelhos com uma cajadada só.
Acredita-se por este comando que a notação carimbada "não pode identificar" foi um possível erro, e que este é simplesmente um caso de escassez de material de guerra estratégica, o Skipjack provavelmente sendo baixo na lista de prioridades.
Para cooperar em nosso esforço de guerra em um pequeno sacrifício local, o Skipjack não deseja que nenhuma outra ação seja tomada até o final da guerra atual, o que criou uma situação apropriadamente descrita como "guerra é o inferno".
J.W. Coe
O documento ainda ironiza a burocracia naval ao dizer que, na falta do produto, a tripulação vinha utilizando “a vasta quantidade de papelada não essencial” enviada ao submarino — cumprindo, segundo ele, o desejo do comando de reduzir o volume de burocracia. É humor militar no seu estado mais puro.
O resultado? Quando o Skipjack finalmente retornou à Austrália após meses no mar, sua chegada virou um festival de sátira: caixas empilhadas de papel higiênico formando torres de sete pés, fitas do produto decorando o cais e até uma banda improvisada usando gravatas de papel higiênico. É o tipo de humor que só uma tripulação traumatizada pela escassez seria capaz de apreciar plenamente.
Infelizmente, Coe não viveria para rir muito mais. Em 1943, ele assumiu o comando do submarino USS Cisco, que desapareceu em patrulha no Mar da China Meridional. Presumido morto, deixou para trás não só atos de bravura que lhe renderam uma medalha, mas também uma das histórias mais humanas — e absurdamente reais — da Segunda Guerra.
Afinal, entre bombas e profundezas, às vezes o que realmente separa um marinheiro da insanidade é um simples rolo de papel.
Crédito de imagem: Xataka Brasil via Perplexity
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