O que começou como um segredo nas Forças Armadas passou a ser assunto nacional: o Pentágono reagiu tardiamente e de forma negativa à revolução dos drones. Enquanto Ucrânia e Rússia integram plataformas baratas, descartáveis e eficazes em ritmo vertiginoso, e a China não sabe o que fazer com tantos drones, Washington se vê enredada em burocracia, prioridades herdadas e uma cultura de compras que trata os drones como "novas aeronaves" e não como munição de baixo custo e produzida em massa.
No fundo, um impasse: para antecipar a ameaça chinesa e russa, eles precisam... da China e da Rússia.
O campo de batalha contemporâneo tem sido marcado por uma mudança estrutural: drones baratos, massivos e descartáveis tornaram-se a arma assimétrica decisiva, capaz de alterar o equilíbrio de poder entre grandes e pequenas potências.
A Ucrânia, com criatividade constante e um fluxo incessante de adaptações, demonstrou que um exército com recursos limitados pode neutralizar blindados, aeronaves estratégicas e linhas logísticas russas por meio de enxames de drones de curto e médio alcance.
Enquanto isso, o Pentágono, apesar de reconhecer publicamente a ameaça, está perigosamente atrasado. A declaração do General James Mingus, que comparou os drones atuais ao impacto devastador dos dispositivos explosivos improvisados no Iraque, resume o dilema: trata-se do "IED de hoje", uma arma transformadora à qual os Estados Unidos ainda não reagiram com a urgência necessária.
Cegueira estratégica
Analistas do país dizem que a história se repete. Durante os anos de insurgência no Iraque e no Afeganistão, milhares de soldados foram mortos enquanto o Departamento de Defesa adiava a adoção de veículos MRAP, veículos blindados projetados para resistir a IEDs, até que a pressão de Robert Gates quebrasse a resistência interna.
Hoje, o mesmo padrão é observado com os drones. A estrutura rígida do Pentágono, obcecada por grandes programas como o F-35, submarinos estratégicos ou mísseis Sentinel, marginaliza soluções baratas e rápidas que fazem a diferença em terra. Fala-se em iniciativas como o programa Replicator ou em orçamentos recordes para pesquisa de armas autônomas, mas a realidade é que, em comparação com os milhões de drones que a China poderia produzir e os milhares de drones que a Rússia já utiliza, os Estados Unidos praticamente não têm protótipos e promessas.

O espelho desconfortável: shahed
A arma que melhor reflete essa lacuna é o Shahed-136, rebatizado de Geran pela Rússia. Nascido como um clone iraniano de projetos israelenses, tornou-se a munição de ataque mais influente do século XXI. Com um custo aproximado de 50 mil dólares, um alcance de até 1,6 mil km e capacidade para transportar cargas de 20 a 40 quilos, ele combina simplicidade com eficiência estratégica.
Em mãos russas, já é produzido em escala industrial e foi aprimorado com variantes de maior alcance, sensores aprimorados e cargas ajustáveis. Comparado aos milhões que um míssil de cruzeiro custa, o Shahed é a pura expressão da economia de guerra: barato, abundante e devastador. O fato de os Estados Unidos não terem um equivalente produzido em massa é um sintoma de negligência estratégica.
Por um lado, o Pentágono ignorou a necessidade de adotar massivamente drones de curto alcance, do tipo FPV, que na Ucrânia se tornaram a arma do soldado comum, capazes de estender o alcance de um esquadrão de infantaria de 800 metros para mais de 12 km. Por outro, há anos desconsidera a importância de munições de longo alcance de baixo custo, contando com estoques de mísseis caros e limitados.
Este duplo erro aponta para uma mentalidade ancorada em guerras passadas, incapaz de aceitar que a inovação não reside no requintado, mas no numeroso. Os militares americanos ainda não possuem treinamento específico para drones, nem novas especialidades militares focadas neles. A doutrina está apenas começando a se adaptar e os programas-piloto avançam a uma velocidade absurda em comparação com o ritmo da inovação ucraniana. A primeira coisa que fizeram: ajudaram a Rússia a desenvolver uma cópia de seus drones.

China e recuperação do tempo perdido
A proposta dos analistas mais realistas é clara: os Estados Unidos precisam, sem demora, padronizar dois projetos de drones kamikaze de longo alcance. O primeiro, com cerca de 1,6 mil km de comprimento, barato e massivo, serviria tanto na Europa quanto na Primeira Cadeia de Ilhas do Pacífico.
O segundo, com mais de 3 mil km de extensão, seria crucial para, por exemplo, atingir o interior da China a partir da Segunda Cadeia de Ilhas, mesmo após o estabelecimento das bolhas A2/AD. Ambos, complementados por variações nas cargas úteis e sistemas de orientação, garantiriam flexibilidade tática e um volume dissuasivo. Sem essa capacidade, os Estados Unidos entrariam em qualquer conflito importante com um arsenal ridiculamente insuficiente diante de dezenas de milhares de ameaças inimigas.
O valor dessas armas não reside apenas em sua capacidade destrutiva, mas também na equação econômica: elas forçam o adversário a gastar milhões em interceptadores para cada dispositivo que custa apenas dezenas de milhares. O "esgotamento de efetores" torna-se, assim, uma arma estratégica: saturar as defesas inimigas até que seus arsenais de mísseis se esgotem e obrigá-los a cobrir um espectro de ameaças impossível de controlar.
Mesmo um drone que nunca atinge seu alvo cumpre sua função, forçando o inimigo a atirar. A Ucrânia demonstrou isso ao forçar a Rússia a dispersar suas defesas antiaéreas diante de enxames improvisados; a mesma lógica, multiplicada por dezenas de milhares de unidades, poderia desequilibrar a balança contra a China ou a Rússia.
O problema subjacente é a incapacidade industrial, e aqui surge um dos paradoxos da situação: os Estados Unidos dependem quase inteiramente da nação da qual pretendem se defender. Dependem da China para tudo, desde baterias a motores e materiais básicos. Sua estrutura de compras, projetada para o ritmo lento da Guerra Fria, não está preparada para produzir de forma rápida e descentralizada.
Enquanto o adversário itera versões em semanas, o Pentágono leva anos para aprovar contratos. A solução: analistas apontam que envolve a diversificação da produção entre dezenas de empresas de médio e pequeno porte, sob uma estrutura de projetos padronizados de propriedade do governo, evitando a dependência de um único contratante (a China). O objetivo: construir uma oferta resiliente, escalável e competitiva, capaz de acumular dezenas de milhares de drones em tempos de paz e multiplicar a produção em caso de guerra.
Desafio é imediato
A China, com sua capacidade de produção em massa e controle estatal, poderia, a priori, inundar o Pacífico com milhões de drones em questão de meses. A Rússia já produz Shaheds em quantidades que excedem todo o estoque americano de munições baratas de longo alcance. O Irã exportou sua tecnologia para diversas regiões, consolidando-se como um importante ator na proliferação de armas assimétricas.
Nesse contexto, a passividade dos EUA não é apenas um retrocesso: é uma ameaça existencial à sua capacidade de dissuasão. O combate do futuro não será vencido com alguns sistemas sofisticados, mas com ondas infinitas de plataformas baratas e versáteis, prontas para saturar as defesas.
Em suma, o que está em jogo não é apenas mais um programa ou uma inovação marginal. Para os Estados Unidos, trata-se de sobrevivência estratégica em um mundo onde a guerra de enxame, barata e onipresente, já é uma realidade.
Desse ponto de vista, a maioria concorda: Washington precisa parar de sonhar com armas perfeitas e assumir que o futuro se desenrola em volume, velocidade e adaptabilidade. Se não agir, se não produzir dezenas de milhares de drones no estilo Shahed e transformar sua doutrina e sua indústria, chegará tarde para o que vier.
Imagem | Página do Comando de Contratação do Exército no Facebook
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