Ucrânia dividiu um tesouro em seis locais secretos: se drones russos o encontrarem, o inverno será especialmente rigoroso

Num conflito em que Moscou tenta paralisar cidades inteiras, ucranianos transformaram a luz em ato de desafio e fé

Imagem | Ministério da Defesa da Ucrânia, DTEK
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PH Mota

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Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

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A batalha pelo fornecimento de energia elétrica tornou-se um componente essencial da guerra híbrida moderna, onde a linha entre infraestrutura civil e objetivo militar se torna tênue. Ao atacar usinas termelétricas ou linhas de transmissão, a Rússia não busca apenas desativar a rede, mas também semear o pânico, quebrar o moral e desestabilizar a vida econômica. Agora, a Ucrânia materializou um plano sem precedentes para combater o inverno em guerra: um esconderijo de 200 megawatts.

A Ucrânia entra em seu quarto inverno de guerra após sobreviver a três temporadas de apagões forçados devido aos bombardeios russos, com engenheiros reparando subestações sob fogo e milhões de cidadãos suportando o frio e a escuridão.

Desta vez, porém, o país aposta num recurso sem precedentes: uma rede de enormes baterias de projeto americano, distribuídas em seis locais secretos e projetadas para fornecer uma reserva de energia quando a rede for atacada. Sua capacidade conjunta de 200 megawatts equivale a iluminar cerca de seiscentas mil casas por duas horas, o suficiente para manter a vida urbana enquanto os técnicos restabelecem o serviço.

O coração de um sistema em guerra

Os seis parques de baterias, localizados ao redor de Kiev e na região de Dnipropetrovsk, estão diretamente integrados ao sistema elétrico nacional. Eles não substituem usinas elétricas, mas permitem suprir a necessidade de manutenção em caso de queda repentina de usinas termelétricas ou subestações atingidas por mísseis e drones.

Sua modularidade é fundamental: cada bloco pode ser isolado e substituído sem comprometer o todo, o que reduz a vulnerabilidade a ataques diretos. A Ucrânia protege esses enclaves com defesas antiaéreas e o sigilo de sua localização, ciente de que um único impacto russo poderia causar um apagão em cadeia.

Sistemas de armazenamento de energia na Ucrânia Sistemas de armazenamento de energia na Ucrânia

A ofensiva de Moscou

Desde o início da invasão, mais da metade da capacidade de geração de energia da Ucrânia foi inutilizada por bombardeios contra usinas termelétricas, minas de carvão e redes de gás. Até mesmo a energia nuclear, que antes sustentava grande parte do sistema, está esgotada: a maior usina nuclear está sob controle russo e fora de operação.

A estratégia do Kremlin busca subjugar a população, deixando-a sem eletricidade ou aquecimento em pleno inverno. No ano passado, a estratégia falhou graças à engenhosidade dos técnicos, mas a produção em massa de drones de ataque prevê ataques mais intensos e prolongados, capazes de saturar as defesas ucranianas.

Kiev também levou a guerra para o campo energético. Seus drones atingiram refinarias russas e deixaram dezenas de milhares de cidadãos sem energia em Belgorod, em retaliação à devastação de sua rede elétrica.

Nas negociações patrocinadas por Washington, falava-se em um pacto de não agressão sobre infraestrutura energética, mas os ataques recomeçaram com a aproximação do frio. Nesse contexto, a eletricidade não é apenas um recurso vital, mas uma arma estratégica que ambos os lados utilizam para minar o moral do oponente.

O Ocidente como apoio

A rede de baterias faz parte de um programa de US$ 140 milhões financiado pela empresa privada de energia DTEK e por bancos ucranianos, com equipamentos fornecidos pela empresa americana Fluence. Washington e Berlim, por sua vez, reforçam o escudo aéreo com sistemas Patriot, embora Kiev insista que a proteção ainda seja insuficiente.

O desenvolvimento de energias renováveis, como a eólica e a solar, aumenta a resiliência: sua dispersão impede que um único ataque derrube toda a geração de energia, e as baterias compensam a intermitência natural dessas fontes.

Se ampliarmos o contexto, o uso da energia como campo de batalha não é de forma alguma exclusivo da Ucrânia. Na Segunda Guerra Mundial, os bombardeios aliados contra as usinas hidrelétricas do Ruhr, na Alemanha, visavam paralisar a produção industrial do Terceiro Reich, e no Iraque, tanto em 1991 quanto em 2003, a coalizão liderada pelos Estados Unidos destruiu deliberadamente usinas de energia para desorganizar as forças de Saddam Hussein.

Mesmo no Kosovo, em 1999, a OTAN usou bombas de grafite que desativaram as redes de transmissão sem destruir estruturas, um lembrete de que a luz pode ser cortada para fins militares sem derramamento de sangue direto. Em todos os casos, cortar a eletricidade significou atingir o coração da resistência de um país, enfraquecendo sua capacidade produtiva e, sobretudo, sua moral. Na Ucrânia, possivelmente conscientes da história, preparam-se para resistir ao que foi decisivo em outras guerras.

A luz como símbolo

A eletricidade na Ucrânia tornou-se uma metáfora de resistência. Manter as luzes acesas em Kiev, Kharkiv ou Lviv significa demonstrar que nem mísseis nem apagões irão interromper o cotidiano. Em um conflito onde se tenta paralisar cidades inteiras, os ucranianos transformaram a luz em um ato de desafio e fé.

Imagem | Ministério da Defesa da Ucrânia, DTEK / Facebook

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