A batalha pelo fornecimento de energia elétrica tornou-se um componente essencial da guerra híbrida moderna, onde a linha entre infraestrutura civil e objetivo militar se torna tênue. Ao atacar usinas termelétricas ou linhas de transmissão, a Rússia não busca apenas desativar a rede, mas também semear o pânico, quebrar o moral e desestabilizar a vida econômica. Agora, a Ucrânia materializou um plano sem precedentes para combater o inverno em guerra: um esconderijo de 200 megawatts.
A Ucrânia entra em seu quarto inverno de guerra após sobreviver a três temporadas de apagões forçados devido aos bombardeios russos, com engenheiros reparando subestações sob fogo e milhões de cidadãos suportando o frio e a escuridão.
Desta vez, porém, o país aposta num recurso sem precedentes: uma rede de enormes baterias de projeto americano, distribuídas em seis locais secretos e projetadas para fornecer uma reserva de energia quando a rede for atacada. Sua capacidade conjunta de 200 megawatts equivale a iluminar cerca de seiscentas mil casas por duas horas, o suficiente para manter a vida urbana enquanto os técnicos restabelecem o serviço.
O coração de um sistema em guerra
Os seis parques de baterias, localizados ao redor de Kiev e na região de Dnipropetrovsk, estão diretamente integrados ao sistema elétrico nacional. Eles não substituem usinas elétricas, mas permitem suprir a necessidade de manutenção em caso de queda repentina de usinas termelétricas ou subestações atingidas por mísseis e drones.
Sua modularidade é fundamental: cada bloco pode ser isolado e substituído sem comprometer o todo, o que reduz a vulnerabilidade a ataques diretos. A Ucrânia protege esses enclaves com defesas antiaéreas e o sigilo de sua localização, ciente de que um único impacto russo poderia causar um apagão em cadeia.
Sistemas de armazenamento de energia na Ucrânia
A ofensiva de Moscou
Desde o início da invasão, mais da metade da capacidade de geração de energia da Ucrânia foi inutilizada por bombardeios contra usinas termelétricas, minas de carvão e redes de gás. Até mesmo a energia nuclear, que antes sustentava grande parte do sistema, está esgotada: a maior usina nuclear está sob controle russo e fora de operação.
A estratégia do Kremlin busca subjugar a população, deixando-a sem eletricidade ou aquecimento em pleno inverno. No ano passado, a estratégia falhou graças à engenhosidade dos técnicos, mas a produção em massa de drones de ataque prevê ataques mais intensos e prolongados, capazes de saturar as defesas ucranianas.
Kiev também levou a guerra para o campo energético. Seus drones atingiram refinarias russas e deixaram dezenas de milhares de cidadãos sem energia em Belgorod, em retaliação à devastação de sua rede elétrica.
Nas negociações patrocinadas por Washington, falava-se em um pacto de não agressão sobre infraestrutura energética, mas os ataques recomeçaram com a aproximação do frio. Nesse contexto, a eletricidade não é apenas um recurso vital, mas uma arma estratégica que ambos os lados utilizam para minar o moral do oponente.
O Ocidente como apoio
A rede de baterias faz parte de um programa de US$ 140 milhões financiado pela empresa privada de energia DTEK e por bancos ucranianos, com equipamentos fornecidos pela empresa americana Fluence. Washington e Berlim, por sua vez, reforçam o escudo aéreo com sistemas Patriot, embora Kiev insista que a proteção ainda seja insuficiente.
O desenvolvimento de energias renováveis, como a eólica e a solar, aumenta a resiliência: sua dispersão impede que um único ataque derrube toda a geração de energia, e as baterias compensam a intermitência natural dessas fontes.
Se ampliarmos o contexto, o uso da energia como campo de batalha não é de forma alguma exclusivo da Ucrânia. Na Segunda Guerra Mundial, os bombardeios aliados contra as usinas hidrelétricas do Ruhr, na Alemanha, visavam paralisar a produção industrial do Terceiro Reich, e no Iraque, tanto em 1991 quanto em 2003, a coalizão liderada pelos Estados Unidos destruiu deliberadamente usinas de energia para desorganizar as forças de Saddam Hussein.
Mesmo no Kosovo, em 1999, a OTAN usou bombas de grafite que desativaram as redes de transmissão sem destruir estruturas, um lembrete de que a luz pode ser cortada para fins militares sem derramamento de sangue direto. Em todos os casos, cortar a eletricidade significou atingir o coração da resistência de um país, enfraquecendo sua capacidade produtiva e, sobretudo, sua moral. Na Ucrânia, possivelmente conscientes da história, preparam-se para resistir ao que foi decisivo em outras guerras.
A luz como símbolo
A eletricidade na Ucrânia tornou-se uma metáfora de resistência. Manter as luzes acesas em Kiev, Kharkiv ou Lviv significa demonstrar que nem mísseis nem apagões irão interromper o cotidiano. Em um conflito onde se tenta paralisar cidades inteiras, os ucranianos transformaram a luz em um ato de desafio e fé.
Imagem | Ministério da Defesa da Ucrânia, DTEK / Facebook
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