Desde 1945, a Alemanha aborda com cautela todas as questões relacionadas ao uso da força além de suas fronteiras. Mesmo quando participava em missões internacionais nos Balcãs, no Afeganistão ou no Mali, a Alemanha sempre o fazia de forma rotativa e temporária, sob regras rigorosas, evitando estabelecer uma presença permanente. A memória da Segunda Guerra Mundial, a desmilitarização inicial e a subsequente reconstrução política deixaram uma marca indelével numa doutrina em que o destacamento permanente no estrangeiro era, mais do que uma linha vermelha, um tabu.
E então veio a invasão russa da Ucrânia.
Destacamento alemão
A decisão da Alemanha de estabelecer a sua primeira brigada permanentemente destacada no estrangeiro desde 1945 marca uma virada histórica na sua política de defesa e na arquitetura militar europeia. A criação da 45ª Brigada Blindada na Lituânia, com 4.800 soldados e pessoal de apoio civil, reflete uma compreensão cada vez mais clara da ameaça russa e o reconhecimento de que defender o flanco oriental da NATO é, na realidade, defender a própria Alemanha.
A Chancelaria alemã em Berlim vê essa presença não apenas como um gesto simbólico, mas como um pilar estrutural de uma nova era militar, na qual a Europa deve assumir maiores responsabilidades estratégicas, reduzir sua dependência absoluta da proteção americana e reconstruir capacidades que foram deliberadamente desmanteladas após o fim da Guerra Fria. A brigada é, portanto, uma mensagem tanto para Moscou quanto para a própria Alemanha: o país está abandonando sua antiga cautela militar para assumir o papel que seu peso econômico exige e que seus parceiros (e adversários) consideram como certo.
Kamikazes, software e muito mais
O rearme alemão não se limita a blindados pesados e presença territorial: estende-se ao domínio da guerra de saturação e à adaptação acelerada, onde os drones kamikaze se tornaram uma das ferramentas mais decisivas no combate contemporâneo.
O plano de aquisição de 12.000 drones suicidas, com contratos no valor de cerca de 300 milhões de euros para cada fabricante, revela uma clara mudança doutrinária: as forças armadas não devem mais acumular equipamentos em arsenais estáticos, mas mantê-los em ciclos permanentes de atualização, com a maior parte do arsenal sob a custódia da própria indústria para ser modificada quase em tempo real.
A referência é direta: na Ucrânia, os ciclos de inovação são medidos em semanas, não em anos. Cada mudança no software ou na carga útil redefine o valor tático do drone, enquanto os sistemas tradicionais tornam-se obsoletos devido ao ritmo frenético das contramedidas eletrônicas.
Essa compra massiva aponta para um exército à beira de um conflito com a Rússia, que entende que o campo de batalha do futuro imediato será híbrido, digitalizado e profundamente dependente da agilidade para se adaptar a um inimigo que aprende tão rápido quanto ataca.
Leopard 2A8
O destacamento da 45ª Brigada Blindada é inconcebível sem o Leopard 2A8, a versão mais avançada do tanque de batalha alemão, atualizada com base nas lições aprendidas com a destruição sistemática de veículos blindados na Ucrânia.
Longe de abandonar os tanques, a Alemanha concluiu que eles continuam indispensáveis para operações combinadas, mas apenas se forem adaptados a um ambiente onde a principal ameaça não são mais mísseis antitanque guiados por colinas, mas drones baratos capazes de pousar em cúpulas de tanques vulneráveis.
Daí a integração do sistema de proteção ativa Trophy, sensores de alerta antecipado, blindagem modular e pacotes eletrônicos preparados para neutralizar enxames ou munições de ataque de precisão.
A brigada é, portanto, destacada não como um símbolo do passado industrial da Europa, mas como uma plataforma que busca antecipar a guerra que está por vir: mobilidade coordenada, suporte contínuo de inteligência em tempo real, defesa antidrone em camadas e uma rede de armas distribuída que evita a concentração excessiva de riscos. A presença do Leopard 2A8 é menos uma reafirmação do tanque como ícone e mais uma declaração doutrinária: a batalha terrestre continua relevante, mas apenas se for gerida com precisão, integração e adaptação constante.
Rearmamento para o longo prazo
Em conjunto, estas medidas expressam uma conclusão que agora é aceite sem ambiguidade nas capitais europeias: a paz dos últimos trinta anos foi uma exceção histórica, não a norma. A invasão russa da Ucrânia forçou a uma mudança radical. A Europa precisa reconstruir sua indústria militar, reativar reservas estratégicas, reforçar suas fronteiras e reviver a ideia de uma defesa integrada, sustentada e modernizada.
A Alemanha, que durante décadas foi considerada o "elo fraco" da defesa europeia, está se reposicionando como o potencial núcleo operacional do rearme continental. A 45ª Brigada Blindada na Lituânia, os 12.000 drones kamikaze e o Leopard 2A8 não são elementos isolados, mas sim peças de uma mesma transição: a preparação para um cenário em que a dissuasão não depende mais apenas da vontade política, mas também da capacidade tecnológica, da velocidade de adaptação e da força territorial.
Em outras palavras, o sinal para Moscou também é direto: a fronteira do Báltico não é um vácuo negociável, mas uma linha muito clara sobre a qual a maior potência econômica da Europa agora se posiciona permanentemente. E desta vez, com veículos blindados, drones, uma indústria revitalizada e um mandato estratégico que se estende por décadas.
Imagem | Nara, Boevaya mashina, 7º Comando de Treinamento do Exército
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