Reciclar papelão? No Reino Unido, surge uma nova ideia: queimá-lo para gerar energia 

Um estudo britânico demonstra que o papelão gera resíduos altamente reativos e que a combustão ocorre melhor do que o esperado

Papelão como combustível / Imagem: Unsplash e Geograph
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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A cada dia, milhões de caixas de papelão saem de nossas casas rumo ao lixo reciclável. São o último elo de um ciclo de consumo acelerado pelo comércio online. No entanto, esse material — tão cotidiano que nem olhamos duas vezes — pode estar prestes a ganhar uma segunda vida inesperada: transformar-se em combustível para gerar eletricidade em larga escala.

Uma equipe de engenheiros da Universidade de Nottingham demonstrou pela primeira vez que o papelão pode ser empregado como uma fonte eficaz de biomassa em usinas elétricas. A pesquisa, publicada na revista Biomass and Bioenergy, compara o papelão a outro material comum da biomassa industrial: o eucalipto.

Os engenheiros não se limitaram a observar como o papelão queimava. Eles o trituraram, estudaram seu formato, analisaram sua composição química e observaram como reagia ao calor e que tipo de carvão deixava após a combustão. Eles até desenvolveram um método próprio — baseado em análises termogravimétricas — para medir com precisão quanto carbonato de cálcio existe em cada amostra. Esse componente, comum em papelão impresso, dá rigidez ao material, mas também influencia seu comportamento durante a queima. Graças a esse procedimento, agora é possível prever qual tipo de papelão funcionará bem em uma caldeira industrial e qual pode gerar problemas.

A ciência por trás do papelão que queima “melhor”

O estudo não ficou só na teoria. Ele testou a combustão do papelão em dois tipos de sistemas equivalentes aos usados em usinas elétricas:

Drop Tube Furnace: simula a combustão rápida de biomassa pulverizada.

Nessa etapa, os pesquisadores observaram que as partículas de papelão desenvolvem chars (os resíduos carbonosos que permanecem após a primeira fase da combustão) altamente reativos, com predominância de estruturas finas e porosas que favorecem uma queima final acelerada.

Muffle Furnace: simula sistemas de leito fluidizado ou grelha. Mesmo com tempos de residência mais longos, o papelão manteve seu excelente desempenho de combustão.

Além disso, o tamanho e o formato das partículas foram caracterizados por meio de uma análise com mais de um milhão de partículas por amostra. Observou-se a tendência do papelão a formar “aglomerados esponjosos” durante a trituração — um desafio para seu uso industrial — e foi possível correlacionar características como esfericidade e relação de aspecto, algo que pode melhorar os modelos de combustão no futuro.

Como explica o estudo acadêmico, essa análise detalhada permite prever a eficiência da combustão e projetar estratégias industriais para integrar papelão no fluxo de combustível.

O resultado foi bastante favorável. Graças a esse experimento, os engenheiros conseguiram demonstrar que o papelão tem menos carbono (38%) que o eucalipto (46,7%) e poder calorífico significativamente menor (15,9–16,5 MJ/kg contra 21 MJ/kg). No entanto, seus chars são mais finos, porosos e reativos, o que acelera a combustão; além disso, ele contém muito mais cinzas (8,9–10,6%, contra 0,6% do eucalipto), um aspecto crítico para as caldeiras.

O que ainda falta resolver?

Embora o potencial técnico seja evidente, o estudo deixa claro que o papelão não está pronto para entrar amanhã nas caldeiras de uma usina. Há três desafios fundamentais que precisam ser abordados:

  • Problemas de manuseio e processamento. Ao ser triturado, o papelão não se comporta como a madeira: ele forma grumos esponjosos de densidade muito baixa, o que dificulta o transporte interno, complica o fornecimento contínuo às caldeiras e pode aumentar o risco de entupimentos e acúmulos. O estudo alerta que será indispensável adaptar os sistemas de moagem e alimentação para garantir um fluxo estável e seguro.
  • O comportamento do cálcio. O papelão contém níveis muito altos de CaCO₃, especialmente quando é impresso. Esse cálcio pode se comportar de maneiras diferentes, dependendo da temperatura e do tipo de caldeira. Em alguns casos, ele aumenta a temperatura de fusão das cinzas — o que é positivo —, mas, em outros, pode favorecer a formação de escórias ou alterar a qualidade do combustível. O estudo recomenda analisar o comportamento do papelão conforme o tipo de usina, porque nem todas as tecnologias toleram essas variações da mesma forma.
  • A validação industrial em grande escala. Os testes de laboratório são promissores, mas falta o passo decisivo: testar o papelão em condições reais de operação. Segundo os pesquisadores, a indústria precisará realizar testes em caldeiras de diferentes tecnologias, avaliar emissões, estudar a acumulação e a composição das cinzas e verificar sua compatibilidade com misturas de biomassa já existentes. Só então será possível determinar se o papelão pode ser integrado de forma segura e estável ao mix de biomassa.

O papelão protege pizzas, televisores, livros e eletrodomésticos. Nós o reciclamos sem pensar muito nisso. Mas essa pesquisa de Nottingham sugere que esse resíduo cotidiano poderia se tornar uma peça a mais na transição energética, ajudando a diversificar combustíveis.

Hoje, o enxergamos como lixo. Amanhã, ele pode ajudar a produzir eletricidade. A faísca já está acesa: agora falta saber se a indústria quer — e pode — transformá-lo em energia real.

Imagem | Unsplash e Geograph

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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